segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O mal estar dos rumos


 
João de Carvalho
En el siglo diecinueve, con la invención de las máquinas, nació el Ruido.” Luigi Russolo



Faz algum tempo que digo aos meus alunos que o cerne das experimentações musicais mais recentes, no âmbito da canção, não estão mais focadas no desenvolvimento melódico-harmônico (e poético), que foi o principal motor da MPB. Ao contrário, para muitos dos recentes casos, este desenvolvimento teria regredido em prol de um conceito mais amplo de sonoridade.

Os mais novos expoentes da canção não são grandes músicos quando, o que focamos em nossa escuta, são os desenvolvimentos harmônicos. Porém, quando expandimos nossa concepção do que é música para aspectos relacionados à sonoridade, podemos notar como estes artistas são extremamente musicais e sensíveis.

Mas existe uma diferença fundamental entre os músicos atuais (incluindo os nomes antigos, mas que ainda estão na ativa) e os da década de 1970. A distância entre o cancionista e o homem que cuida da parte técnica de captação, registro e edição do som, encurtou. Antes, um cancionista procurava um grupo de músicos para dar vida à sua obra, hoje um cancionista pode mais facilmente procurar alguém que domine as técnicas de produção fonográficas.

Bem, por aqui parece que isso ainda precisa ser dito, mas eu estava somente dando luz à roda, chovendo no molhado. Explico. Meu amigo virtual, Roberto della Santa, grande apresentador de gentes, me colocou em dia sobre o debate que ocorreu envolvendo o cancionista Rômulo Froes e suas declarações sobre uma “nova geração” de cancionistas. Debate já antiguinho (do começo do ano passado), mas que ainda vem ecoando.

As declarações de Rômulo são muito parecidas com as minhas, porém penso em não cair em algumas armadilhas que ele infelizmente se enrroscou. (texto do rômulo) (debate com o walter garcia)

A primeira coisa que gera um constrangimento nas declarações do cancionista/crítico é a insistência na ideia de uma “nova geração”, que ao meu ver não existe enquanto unidade. Rômulo afirma que todo músico tem um computador para produzir, e que quem não tem, simplesmente não produz música hoje em dia. Ora, então será mesmo que o Criolo, por exemplo, só passou a produzir música agora que ele estreitou seus laços com quem pode gravar? Obviamente só mesmo uma visão muito pragmática e pessoal poderia desmerecer a existência daquelas canções em seus anos de interpessoalidade não mediada por um suporte tecnológico. Não creio que o autor do texto em questão concorde com essa ideia, mas essa ideia permeia seu raciocínio.

A segunda coisa se refere ao próprio louro da “nova geração”: o timbre. (Isso gerou inclusive vários comentários contrários). Por diversas vezes Rômulo se utilizou deste termo para qualificar os trabalhos de seus pares. Creio que existe mais uma confusão aqui. Utilizo a palavra sonoridade, de maneira expandida, onde timbre e textura formam uma unidade. Certamente a busca poética de timbres é algo que os trabalhos mais recentes costumam se esmerar, porém isso não difere estas obras das produções de outras épocas. O esmero do timbre é algo que está presente em qualquer trabalho refinado, de qualquer época e de qualquer estilo.

Mas existe um algo a mais na sonoridade dos trabalhos mais recentes. Estes parecem ter problematizado com mais ênfase a incorporação de texturas pontilistas, com silêncios e vazios expressivos. Além disso, compõe essa sonoridade geral, a maior intimidade de ruídos como matéria poética, fragmentação do discursso. Sem dúvida o manuseio de computadores e programas de edição facilita muito esse tipo de processo.

Eu poderia dizer, em uma metáfora provocante, que a canção hoje é mais plástica do que antigamente. Vale toda a ambiguidade da expressão, mas quero focar no aspecto pictórico da formulação. Se formos desenhar o que acontece com os sons de uma canção mais nova e de uma mais antiga, provavelmente chegaremos a desenhos bem mais interessantes com o primeiro caso. É muito fácil imaginar que essa percepção seja amplificada pela proximidade que o aparato tecnológico nos coloca de um processo pictórico. Na edição de uma música se recorta, cola, inverte, amplia, diminui, sobrepõe, fade-out, fade-in, cross-fade, fora a própria visualisação das ondas.

Mas dizer isso seria negligenciar o fato de que tudo isso também se desenvolveu, e bem antes, nas pautas tradicionais e nas experimentações de Tom Zé.

Se vamos debater sejamos menos superficiais e mercadológicos e peguemos também os experimentos do Arthur Campela e do Chico Melo, poxa, por que não?



Só porque o áudio e o vídeo não tem a qualidade mínima para entrar em um mercado vamos negar o papel dessa fatia da produção cancional?



O que é canção erudita e popular? Acho que o rótulo “canção de consumo” tem que ser um aviso de que relações comercias rondam a experiência poética, mas jamais atuar como reguladora da experimentação.

Voltando um pouco, ainda tenho que dizer um pouco sobre a utilização do ruído, sobre a fragmentação do discursso, e sobre a querela com o Luiz Cláudio Ramos.

Hoje estive na TOCA com a Janete El Haouli, e ela me disse que faria um evento em celebração ao centenário da publicação de L'Arte dei Rumori (A arte do ruído), do Luigi Russolo, o primeiro marco da valorização do ruído (e discussão sobre o que é o ruído) como material musical. Bem, talvez de fato os arranjadores da canção popular brasileira sejam um tanto quanto conservadores, e ainda se esmeirem muito na condução de vozes. Mas, sejamos francos, o quanto de ruído as novas produções comportam? Será que os ouvidos dos jovens compositores/produtores estão tão livres e limpos assim? Nesse quesito os tropicalistas deram passos mais radicais (e originais), --- gente, e antes o Hendrix também já tinha chutado a barraca, né? --- ponto

Na fragmentação do discurso vejo uma tendência atual, ainda que não nova. Toda a relação de espaço tempo muda para um homem urbano. Poesia concreta não é à toa. Isso, apesar de ser amplamente tematizado nas composições musicais dos compositores de “música contemporânea”, parece-me que chegou ao universo da canção via reggae e afrobeat. As texturas acabam sendo úteis porque formam gestalts, criam espaços. A rotatividade de texturas provoca uma constante atualização da escuta. É como andar no centro de uma cidade, entrar e sair de cômodos, zapear a TV, mil janelas e abas no navegador.

            Mas aí o texto enfia o pé na armadilha mais fatal, vai criticar o arranjador do Chico Buarque. Oh!!
          Rss... Uma grande ousadia que merece ser parabenizada pela coragem em, mais do que ao Luiz Claudio Ramos, se impor em meio à uma crítica mal preparada e bajuladora! Louro à parte, o autor apresenta uma pequena (e inocente) análise dos últimos discos do Chico, focando um diálogo existente entre as primeiras faixas dos álbuns. Mas culmina na afirmativa de que o último disco é mais fraco do que os anteriores. Putz! Como isso? Que escuta mais tendenciosa! Eu penso e argumento o contrário. Radicalmente o contrário. Acho que Chico é o melhor disco do Chico! Tenho meus motivos para achar isso, e por isso causa polêmica, pois os motivos são MEUS, mas daí a representarem uma verdade é um “passo torto”, com o perdão do trocadilho.

Também penso que, por vezes, o Luiz cai em algumas inocências durante os arranjos (principalmente na primeira faixa, ao colocar elementos quase ilustrativos do texto), mas estes momentos não são, de forma alguma, a maioria dos casos. O que escutamos na maior parte do tempo são refinados contrapontos e encadeamentos. E não podemos deixar de dizer que o time de instrumentistas é de primeiro escalão, o que inevitavelmente agrega muito à sonoridade.

Um exemplo de inocência, segundo Froes, seria o arranjo de Tipo um Baião. Discordo novamente, o arranjo desta canção é genial! Respeita e amplia a canção de Chico. Não é nada ingênua a oscilação dos andamentos e das texturas deste arranjo, que recria em sua macro estrutura a principal metáfora da canção. Um coração sanfona. (artigo interessante)



Mas o Luiz não é um cara inocente mesmo! É só escutar como a guitarra é timbrada aos demais instrumentos. E aquela melodia da introdução? Que coisa é aquela, meu deus?! … Tá, quer escutar como é rico o trabalho de sonoridade dos arranjos do Chico? Escutem o gesto final de Tipo Um Baião (+- 3'21''), uma frase que vem pipocando nos instrumentos. Que coisa mais bem acabada, minha mãe!

Bem, vejam o lado positivo, niguém falou que o arranjo do Luiz Cláudio para “Se eu soubesse” não era melhor (ou, menos ingênuo) que o arranjo do disco da Thaís...








2 comentários:

  1. querido joão! antes de mais nada, Como eu gosto de lê-lo! Acabei de ler as ressalvas que você faz ao texto, quanto a "nova geração". Concordo com as ressalvas e compreendo a escrita do texto: de uma vez e de supetão. Muitas coisas na cabeça, vários textos e debates que se lincam com aquilo que nos é caro. O "melhor" do post é saber que você tem um artigo sobre Tipo Um Baião. Eu não conseguiria dizer que Chico é o melhor, mas eu sou do time que acha CHICO um put'álbum. Mesmo. Gosto que gosto.

    Poderia render mais comentários, mas por ora a pilha acabou. Digo-lhe que encaminhei o post pro Walter - que é meio ruim de internet, mas que acho que vai gostar de ler o que você diz sobre o Luiz Cláudio.

    E encerro também citando Vinicius de Moraes - como eu sou clichê! - de uma frase que ele solta numa crônica chamada "Ser moderno" - que indico fortemente pra você.

    "E por falar nisso: pode haver nada mais velho do que o novo?"

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    1. Opa Isa! Fico feliz! ... lembrei que tenho que postar as ressalvas aqui, para que outros tb possam ler: "... tenho que dizer que fiz o texto em uma só tacada, e que depois fiquei ruminando muita coisa... 1º acho que simplifiquei de maneira tendenciosa as texturas dos "novos compositores" como pontilhista (na verdade estava escutando o passo torto passo elétrico)... 2º acabei não citando nehum compositor novo (os que eu citei são, de fato, de outra geração) que fuja da regra que o Rômulo Froes tentou esboçar e eu tentei discordar... no fundo por concordar com ele mas não gostar de um raciocínio tão reto... no mais, ainda acho que é uma boa leitura e que desenrola alguns nós conceituais que se tem caído."

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