segunda-feira, 25 de março de 2013

sexta-feira, 8 de março de 2013

Carlos Careqa: Com o Coração na Cabeça


por João de Carvalho

Made in China” -                               escute em: http://www.rdio.com/artist/Carlos_Careqa/album/Made_in_China/
oitavo disco de Carlos Careqa.            mais aqui: http://www.carloscareqa.com.br/biografia.htm

Era pra ser, nas palavras do próprio
uma reflexão sobre a “chinalização” das coisas,
projeto que naturalmente foi tomando outros rumos
depois da entrada do produtor e arranjador Márcio Nigro.

Mas, como um disco que reflete sobre o processo de globalização
– e sobre a quantidade acima da qualidade – menor preço – menos esforço
como pode se transformar no que a crítica costuma chamar de “disco confessional”?
                                                                       . . . ? ? ? . . .

A China não é só o lugar da mão de obra barata – dos produtos de segunda linha.
A China também é o lugar onde viveu Lao Tsé – de onde veio o Tao Te Ching.
                                                  . . . ! ! ! . . .

Uma escuta desatenta pode nos fazer crer
que este é tão somente o disco mais pop do Carlos,
mas, meus caros, resistir durante anos ao lado da canção
e refletir através dela sobre as angústias deste modo de existir
                              . . . , , , . . .

eleger a China como mote
é um verdadeiro golpe de Kong-Fu
, de mestre mesmo!

             Entrei em contato com o cara, via facebook, elogiei o disco e perguntei se ele não toparia me responder umas questões. Ele me disse que sim. Durante mais ou menos uma semana converso com ele via face. Sempre muito solícito e paciente – é que eu sinto um estranhamento com sua velocidade: sou mais lento – me disse coisas valiosas:
  • o arranjo de vozes para “Calma Alma” ele fez na hora.
  • compor canções lhe alivia as angústias – somente por um ou dois dias.
  • o show e a troca de energia são poderosos para sua alma.
  • 44, a quarta faixa do disco, é uma recriação do cap. 44 do Tao.
  • o André Abujamra deve produzir o clipe de “O Q Q C Tem Na Cabeça” (faixa 2).
 


Vejam minhas “perguntas teses”, como o Carlos Careqa as chamou, com suas devidas respostas:

JC - Careqa, já foi dito que o Chico fez a letra de “Rubato” inspirado pela sua “Minha Música” - você mesmo me disse que ele mandou um e-mail te dizendo quando estava compondo a letra para a musica do Jorge Helder. Também foi divulgado que “Ladro”, a nona faixa de “Made in China”, é uma homenagem ao Chico. Voltando a historia pro começo, no final do clipe de “Minha Música” tem o Arrigo, que tocou piano, dizendo que concordava com Chico sobre o fim da canção – declaração essa que foi amplamente debatida pela critica. “Minha Música” é uma espécie de constatação sobre o fim da canção? E seria “Rubato” uma auto-critica a essa visão que foi manifestada de forma solta; uma espécie de reposicionamento publico do próprio Chico sobre esse assunto? Seria “Ladro” um apoio ao Chico e à vitalidade da canção? Ainda nesse sentido, a canção caminharia para a “plagio-recombinação” do Tom Zé e para os “samples” do RAP (e, não é sintomático que no novo show do Chico haja uma homenagem ao Criolo?)?

CC - Bem meu caro, são tantas perguntas neste enunciado, que vou tentar responder algumas delas. Sim é fato que o Chico Buarque fez Rubato influenciado pela "Minha Música" em que ele gravou a voz. E toda a história decorrente disso tudo. Fiz a música Ladro para responder um pouco a canção Rubato e também como forma homenagear o Chico, coisa que eu nunca tinha feito. O fim da canção é uma história que venho escutando há anos. Claro que é um tipo de música que foi amplamente trabalhado nos últimos 120 anos… É natural que haja um certo desgaste, afinal quantas milhares de canções existem pelo mundo afora? A canção "Minha Música" mistura esse sentimento de perda da capacidade de fazer música e também da perda de um amor que se foi. Na verdade eu me inspirei na ópera do Arrigo Barnabé "O homem dos crocodilos" que fizemos em 2001 em São Paulo, onde o compositor tinha perdido a mão para compor. Interessante você colocar Rubato deste jeito, não tinha pensado assim, o Chico no dia da gravação me falou que foi mal interpretado pela imprensa, o jornalista italiano perguntou sobre o fim da canção e ele simplesmente disse que poderia ser uma possibilidade, mas nunca concordou com isto, mesmo porque ele já fez as dele então seria egoísta pensar assim. (palavras do próprio Chico). Então há realmente uma coerência quando Chico escreve Rubato e todo o disco que contém canções fantásticas, como se ele tivesse começado com este CD.
       Tipo um Baião é sensacional, Sinhá com João Bosco maravilhosa. Na minha opinião modesta a canção não acabou, apenas como tudo na vida vai se transformando. Não sabemos onde vai chegar. O plágio combinação é uma possibilidade, mas tentei apenas responder a história do Rubato. Não quero fazer as canções que o Chico e outros fizeram, sei que o meu material é mais simples, mas não acho que estaria contribuindo se repetisse o trabalho deles. O RAP é interessante, conheço desde que morei em Nova Yorque em 1984, não me encantei muito pois tinha o problema da língua. Vejo algumas coisas interessantes feitas no Brasil nesta área. Como diz o próprio Chico, o RAP é uma possibilidade como tantas dentro amplo universo da Música.
       Na minha opinião, o que se vulgarizou foi a função do Artista, do compositor. Vivemos num tempo em que todos querem ser Compositores, Escritores, Artistas! Uma pena, pois acho que transformar esta profissão em qualquer coisa é prejudicial para o desenvolvimento da canção, não que qualquer pessoa não possa fazer uma canção, etc, etc. Porém é necessário um período de trabalho para isto acontecer.
       Se formos pensar no fim da canção, e escutar as Lieds de Schumann, teremos a sensação que tudo já foi escrito!

JC - Ainda nessa linha dos diálogos que seu novo disco propõe, parece que passou despercebido pela critica a sua “correção” ao José Miguel Wisnik. Em 2010, se eu não me engano, o Marcelo Jeneci lançou a “Feito pra Acabar”, com a letra do Zé Miguel. Eu comentei contigo que quando escutei sua “Feito pra Continuar” eu me lembrei do que ocorre com “Preciso Aprender a só ser”, canção do Gil que “corrige” - também sob uma perspectiva taoista/budista – o samba canção do Paulo Sérgio e do Marcos Valle (“Preciso Aprender a ser só”). Como foi o processo de “apropriação” e “reconstrução” da canção do Jeneci e do Wisnik? Este diálogo não acontece somente no âmbito da letra, está presente também na forma da canção (são três estrofes pequenas seguida de um refrão, que apresenta a ideia central da obra, assim como “Feito Pra Acabar”). E, parece-me, também na construção do motivo melódico do tema A, que insiste em uma alternância entre duas notas (uma segunda menor? Eu acho...), assim como a canção “contrariada”. Diga um pouco como foi o processo de criação desta obra. Por onde começou?

CC - Quando esta canção começou a tocar aqui em SP, ficava intrigado com esta máxima: "A gente é feito pra acabar" como assim? E aquilo batendo na minha cabeça por muito tempo, ainda mais vindo do Mestre Wisnik?! Não pensei nas canções de Gil e de Valle, aliás fazia tempo que não ouvia, estou ouvindo agora, o Gil foi mais genial na resposta, pois ele deu um nó, “sabe gente, é tanta coisa pra gente saber!”... Eu realmente neste caso colei em cima da canção do Jeneci e Wisnik, queria dar uma resposta sobre este assunto. Nada se acaba nesta vida, tudo se transforma e disso eu tenho certeza. Sou fruto desta transformação. O próprio Winik é fruto de transformações, Chopin e Jobim! Nazareth e Machado de Assis! E eu então, tantas vidas na minha vida, as células iniciais que se transformaram e que estão se transformando o tempo todo. O motivo melódico aponta pra isto. Uma pequena mudança, um pequeno intervalo e tudo já fica diferente. Acho que consegui responder, apesar de que quase ninguém notou esta resposta ainda, mas com o tempo ela virá!
       Sempre fui um admirador do trabalho do Wisnik, lembro que fiz um curso com ele em 1985 em Curitiba, fiquei fascinado com a maneira que ele explicava as coisas. Foi nesta palestra, no Sesc da Esquina, que ouvi pela primeira vez a palavra Trítono (O Diabolus in Musica). O primeiro disco dele é um clássico. Só tem pérolas!

JC - O Caymmi dizia que primeiro deveria vir um encantamento com o tema, ai depois vinha letra e musica “casadinha”. Em uma das entrevistas de divulgação de seu disco você disse que não gosta de “menininha” que faz cançãozinha de amor. (Corrijo-me, você dizia que não gostava da canção da menininha e não da menininha da canção, rsss). Você disse ainda: “Eu procurei sempre mostrar na canção uma preocupação minha daquele momento ou captar, como uma antena da sociedade, o que estava faltando falar”. Alguns dos melhores discos destes últimos tempos, na minha opinião, são discos que fazem esta opção, vide o “Preparando o Salto”, do Siba, o “Chico”, do Chico (que pra mim é muito mais do que um disco “confessional”, é, sim, uma profunda reflexão sobre a modernidade liquida em que vivemos e as angustias decorrentes do enfraquecimento dos laços humanos) – vou parar por aqui, porque a lista seria longa. Você acha que a preocupação em ser uma “antena” (pra lembrar o Pound, né?) é talvez a principal diferença entre a musica “dependente” e a “independente”, pois em termos técnicos do artesanato cancional (como se isso já não fosse um domínio do artesanato) as coisas tendem à se igualar?

CC - Eu faço canção por ser uma pessoa inquieta, angustiada mesmo. O Arrigo sempre diz que não acredita muito em coisas que não vem da angústia! Esta nova geração descobriu que pode compor e cantar suas coisas. Tudo bem até aí. Porém o resultado é fraco. Eu digo música de menininha querendo desabafar. É uma tendência. A internet facilita, o youtube divulga e por aí vai! Porém a gente tem que lembrar que enquanto alguns pintavam bailarinas, Van Gogh se auto mutilava! A música pode ser mais profunda do que alguns versos bonitinhos que poderiam ser evitados. Claro, temos exceções, compositoras que estão fazendo um trabalho sério, cantoras que cantam muito e que preferem a arte da interpretação, que aliás vai se extinguindo com esta coisa obrigatória Cantora e Compositora!!!
       Eu fiz poucas letras encima de melodias. Chorando em 2001 foi uma delas. O Chico Mello, este sim Grande Compositor, me passou a música por telefone, gravei no DAT e depois trabalhei a letra, que é uma homenagem ao filho dele, João Mello, que hoje é um ótimo saxofonista e está morando na Inglaterra! A canção foi feita em 1996. Eu trabalho com várias possibilidade, musico letras, faço letra e música juntas. Faço letras separadas. Cantarolo muito quando estou no carro. Acordo para escrever uma frase.
       Eu sou vidrado no Caymmi, mas não tenho a capacidade que ele tinha, sintética e ao mesmo tempo tão profundo de melodia e letra. Como disse, vou fazendo o que posso.
Sou antena sim! Sinto a humanidade pulsando na minha cabeça. Claro que não todos (risos). Mas me conecto com o meu tempo e os meus contemporâneos. Quando você está na indústria fonográfica, no caso do Brasil, acho que esta preocupação cai por terra. O objetivo é outro. $$$.

JC - Você esta sabendo da lei que diz ser obrigatório o ensino de musica nas escolas? Volto à isso logo mais. Lembrei do caso do sonho que o Chico teve em que a plateia toda cantava a musica mais “esquisita” do disco. Foi o próprio Wisnik quem interpretou o sonho como sendo um desabafo do compositor por não se devidamente escutado – imaginemos, se até o Chico sofre com essa superficialidade da escuta! Eu vi que você postou um desabafo parecido no facebook um pouco antes da estreia do seu show. Você não acredita que o problema talvez seja justamente uma carência na área da educação musical do país? Sabendo que a canção é uma arte diferente da musica, você acha que um professor de musica seria capaz de despertar os alunos (o público que lhe falta) para a arte sonora mais popular do nosso país? Na sua opinião, que conhecimentos seriam necessários que aos alunos – pense o publico em geral – para que eles adquiram uma autonomia na escuta e possam absorver a arte desses cancionistas “independentes”?

CC - Nossa! Sou 1000% a favor. Também estou nesta luta há tempos. Eu acho que a educação musical é tão básica como a alfabetização tradicional. Tem que ensinar o básico. Fazer com que as crianças toquem instrumentos para perder o medo de música. Desmitificar é a palavra. Mostrar um Fagote, um Corne Inglês, uma Trompa, etc. Fazer com que todos entoem as 7 notas da nossa música ocidental. Explicar que nascemos com a música dentro de nós. Que música não é patrimônio de Músico. A música é de todos e universal. O universo é música.
       E claro depois pode-se falar de canção, ópera, musicais americanos, musicais alemães e franceses. Se eu fosse convidado para dar aulas iria com o maior prazer. Acho que todos os que fazem música no Brasil iriam dar seus testemunhos nas salas de aula. Mostrar alguma canção ou um instrumento. O Ricardo Breim, que tem uma escola de música em SP, tem um programa mensal chamado TOQUE DE MESTRE, onde artistas consagrados dão uma palestra sobre seus trabalhos. Isso gera um interesse enorme entre os alunos pois eles veem que há espaço no mundo para os profissionais de música.
       Morrerei feliz quando souber que todas as escolas municipais e estaduais tem em sua grade curricular a matéria MÚSICA.
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Nota latejante - do autor: Ano passado foi lançado o livro “A Música nas Escolas”. Um grande compendio de 288 paginas trazendo debates com temas atuais sobre o ensino de música nas escolas e ainda uma série de atividades propostas para a educação básica. De todo este volume existe uma única página, a de n° 249, que trata da canção. A página à que me refiro é uma proposta de atividade de ensino que envolve uma apreciação dos aspectos da letra e da música em conjunto, contrariando a tendencia de utilizar canções para se ensinar um conteúdo estritamente musical. Esta atividade foi proposta justamente por Ricardo Breim, ex-professor (harmonia e percepção) e amigo do nosso Careqa.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Programa "O Fim da Canção"...


Quem ainda não escutou, vale muito a pena!


"O cantor, compositor e pianista José Miguel Wisnik e o compositor, violinista e escritor Arthur Nestrovski se uniram para um ciclo de aulas-show apresentando uma seleção de canções da música brasileira dos últimos 50 anos, compondo um minipanorama musical.

A cada encontro, Wisnik e Nestrovski abordam o assunto partindo de algumas canções-chave, interpretadas ao vivo e depois comentadas em contraponto com novos questionamentos.

Tendo como pano de fundo o debate sobre a "morte da canção", os dois artistas cantam e contam a música brasileira, além de situá-la no contexto artístico contemporâneo passando por temas que vão da formação do cancioneiro brasileiro ao artesanato de letra e música, das potências transformadoras da Bossa-Nova e do Tropicalismo ao novo estatuto da canção.


Sonoplastia: Uirá Vital
Locução: Marta Fonterrada
Produção e Edição: Caia Amoroso
Supervisão: José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski"

Confiram os programas no endereço:
http://ims.uol.com.br/Radio/D390