por João de Carvalho
“Made in
China” -
escute em:
http://www.rdio.com/artist/Carlos_Careqa/album/Made_in_China/
oitavo disco
de Carlos Careqa.
mais aqui: http://www.carloscareqa.com.br/biografia.htm
Era pra ser, nas palavras do próprio
uma reflexão sobre a “chinalização” das
coisas,
projeto que naturalmente foi tomando outros
rumos
depois da entrada do produtor e arranjador
Márcio Nigro.
Mas, como um disco que reflete sobre o processo
de globalização
– e sobre a quantidade acima da qualidade –
menor preço – menos esforço
como pode se transformar no que a crítica
costuma chamar de “disco confessional”?
. . . ? ? ? . . .
A China não é só o lugar da mão de obra
barata – dos produtos de segunda linha.
A China também é o lugar onde viveu Lao Tsé
– de onde veio o Tao Te Ching.
. . . ! ! ! . . .
Uma escuta desatenta pode nos fazer crer
que este é tão somente o disco mais pop do
Carlos,
mas, meus caros, resistir durante anos ao lado
da canção
e refletir através dela sobre as angústias
deste modo de existir
. . . , , , .
. .
eleger a China como mote
é um verdadeiro golpe de Kong-Fu
, de mestre mesmo!
Entrei em contato com o cara, via facebook,
elogiei o disco e perguntei se ele não toparia me responder umas
questões. Ele me disse que sim. Durante mais ou menos uma semana
converso com ele via face. Sempre muito solícito e paciente – é
que eu sinto um estranhamento com sua velocidade: sou mais lento –
me disse coisas valiosas:
- o arranjo de vozes para “Calma Alma” ele fez na hora.
- compor canções lhe alivia as angústias – somente por um ou dois dias.
- o show e a troca de energia são poderosos para sua alma.
- 44, a quarta faixa do disco, é uma recriação do cap. 44 do Tao.
- o André Abujamra deve produzir o clipe de “O Q Q C Tem Na Cabeça” (faixa 2).
Vejam minhas “perguntas teses”, como o Carlos Careqa as chamou, com suas devidas respostas:
JC - Careqa, já foi dito que o
Chico fez a letra de “Rubato” inspirado pela sua “Minha Música”
- você mesmo me disse que ele mandou um e-mail te dizendo quando
estava compondo a letra para a musica do Jorge Helder. Também foi
divulgado que “Ladro”, a nona faixa de “Made in China”, é
uma homenagem ao Chico. Voltando a historia pro começo, no final do
clipe de “Minha Música”
tem o Arrigo, que tocou piano, dizendo que concordava com Chico sobre
o fim da canção – declaração essa que foi amplamente debatida
pela critica. “Minha Música”
é uma espécie de constatação sobre o fim da canção? E seria
“Rubato” uma auto-critica a essa visão que foi manifestada de
forma solta; uma espécie de reposicionamento publico do próprio
Chico sobre esse assunto? Seria “Ladro” um apoio ao Chico e à
vitalidade da canção? Ainda nesse sentido, a canção caminharia
para a “plagio-recombinação” do Tom Zé e para os “samples”
do RAP (e, não é sintomático que no novo show do Chico haja uma
homenagem ao Criolo?)?
CC - Bem
meu caro, são tantas perguntas neste enunciado, que vou tentar
responder algumas delas. Sim é fato que o Chico Buarque fez Rubato
influenciado pela "Minha Música" em que ele gravou a voz.
E toda a história decorrente disso tudo. Fiz a música Ladro para
responder um pouco a canção Rubato e também como forma homenagear
o Chico, coisa que eu nunca tinha feito. O fim da canção é uma
história que venho escutando há anos. Claro que é um tipo de
música que foi amplamente trabalhado nos últimos 120 anos… É
natural que haja um certo desgaste, afinal quantas milhares de
canções existem pelo mundo afora? A canção "Minha Música"
mistura esse sentimento de perda da capacidade de fazer música e
também da perda de um amor que se foi. Na verdade eu me inspirei na
ópera do Arrigo Barnabé "O homem dos crocodilos" que
fizemos em 2001 em São Paulo, onde o compositor tinha perdido a mão
para compor. Interessante você colocar Rubato deste jeito, não
tinha pensado assim, o Chico no dia da gravação me falou que foi
mal interpretado pela imprensa, o jornalista italiano perguntou sobre
o fim da canção e ele simplesmente disse que poderia ser uma
possibilidade, mas nunca concordou com isto, mesmo porque ele já fez
as dele então seria egoísta pensar assim. (palavras do próprio
Chico). Então há realmente uma coerência quando Chico escreve
Rubato e todo o disco que contém canções fantásticas, como se ele
tivesse começado com este CD.
Tipo
um Baião é sensacional, Sinhá com João Bosco maravilhosa. Na
minha opinião modesta a canção não acabou, apenas como tudo na
vida vai se transformando. Não sabemos onde vai chegar. O plágio
combinação é uma possibilidade, mas tentei apenas responder a
história do Rubato. Não quero fazer as canções que o Chico e
outros fizeram, sei que o meu material é mais simples, mas não acho
que estaria contribuindo se repetisse o trabalho deles. O RAP é
interessante, conheço desde que morei em Nova Yorque em 1984, não
me encantei muito pois tinha o problema da língua. Vejo algumas
coisas interessantes feitas no Brasil nesta área. Como diz o próprio
Chico, o RAP é uma possibilidade como tantas dentro amplo universo
da Música.
Na
minha opinião, o que se vulgarizou foi a função do Artista, do
compositor. Vivemos num tempo em que todos querem ser Compositores,
Escritores, Artistas! Uma pena, pois acho que transformar esta
profissão em qualquer coisa é prejudicial para o desenvolvimento da
canção, não que qualquer pessoa não possa fazer uma canção,
etc, etc. Porém é necessário um período de trabalho para isto
acontecer.
Se
formos pensar no fim da canção, e escutar as Lieds de Schumann,
teremos a sensação que tudo já foi escrito!
JC -
Ainda nessa linha dos diálogos que seu novo disco propõe, parece
que passou despercebido pela critica a sua “correção” ao José
Miguel Wisnik. Em 2010, se eu não me engano, o Marcelo Jeneci lançou
a “Feito pra Acabar”, com a letra do Zé Miguel. Eu comentei
contigo que quando escutei sua “Feito pra Continuar” eu me
lembrei do que ocorre com “Preciso Aprender a só ser”, canção
do Gil que “corrige” - também sob uma perspectiva
taoista/budista – o samba canção do Paulo Sérgio e do Marcos
Valle (“Preciso Aprender a ser só”). Como foi o processo de
“apropriação” e “reconstrução” da canção do Jeneci e do
Wisnik? Este diálogo não acontece somente no âmbito da letra, está
presente também na forma da canção (são três estrofes pequenas
seguida de um refrão, que apresenta a ideia central da obra, assim
como “Feito Pra Acabar”). E, parece-me, também na construção
do motivo melódico do tema A, que insiste em uma alternância entre
duas notas (uma segunda menor? Eu acho...), assim como a canção
“contrariada”. Diga um pouco como foi o processo de criação
desta obra. Por onde começou?
CC - Quando
esta canção começou a tocar aqui em SP, ficava intrigado com esta
máxima: "A gente é feito pra acabar" como assim? E aquilo
batendo na minha cabeça por muito tempo, ainda mais vindo do Mestre
Wisnik?! Não pensei nas canções de Gil e de Valle, aliás fazia
tempo que não ouvia, estou ouvindo agora, o Gil foi mais genial na
resposta, pois ele deu um nó, “sabe gente, é tanta coisa pra
gente saber!”... Eu realmente neste caso colei em cima da canção
do Jeneci e Wisnik, queria dar uma resposta sobre este assunto. Nada
se acaba nesta vida, tudo se transforma e disso eu tenho certeza. Sou
fruto desta transformação. O próprio Winik é fruto de
transformações, Chopin e Jobim! Nazareth e Machado de Assis! E eu
então, tantas vidas na minha vida, as células iniciais que se
transformaram e que estão se transformando o tempo todo. O motivo
melódico aponta pra isto. Uma pequena mudança, um pequeno intervalo
e tudo já fica diferente. Acho que consegui responder, apesar de que
quase ninguém notou esta resposta ainda, mas com o tempo ela virá!
Sempre
fui um admirador do trabalho do Wisnik, lembro que fiz um curso com
ele em 1985 em Curitiba, fiquei fascinado com a maneira que ele
explicava as coisas. Foi nesta palestra, no Sesc da Esquina, que ouvi
pela primeira vez a palavra Trítono (O Diabolus in Musica). O
primeiro disco dele é um clássico. Só tem pérolas!
JC -
O Caymmi dizia que primeiro deveria vir um encantamento com o tema,
ai depois vinha letra e musica “casadinha”. Em uma das
entrevistas de divulgação de seu disco você disse que não gosta
de “menininha” que faz cançãozinha de amor. (Corrijo-me, você
dizia que não gostava da canção da menininha e não da menininha
da canção, rsss). Você disse ainda: “Eu procurei sempre mostrar
na canção uma preocupação minha daquele momento ou captar, como
uma antena da sociedade, o que estava faltando falar”. Alguns dos
melhores discos destes últimos tempos, na minha opinião, são
discos que fazem esta opção, vide o “Preparando o Salto”, do
Siba, o “Chico”, do Chico (que pra mim é muito mais do que um
disco “confessional”, é, sim, uma profunda reflexão sobre a
modernidade liquida em que vivemos e as angustias decorrentes do
enfraquecimento dos laços humanos) – vou parar por aqui, porque a
lista seria longa. Você acha que a preocupação em ser uma “antena”
(pra lembrar o Pound, né?) é talvez a principal diferença entre a
musica “dependente” e a “independente”, pois em termos
técnicos do artesanato cancional (como se isso já não fosse um
domínio do artesanato) as coisas tendem à se igualar?
CC -
Eu faço canção por ser uma pessoa inquieta, angustiada mesmo. O
Arrigo sempre diz que não acredita muito em coisas que não vem da
angústia! Esta
nova geração descobriu que pode compor e cantar suas coisas. Tudo
bem até aí. Porém o resultado é fraco. Eu digo música de
menininha querendo desabafar. É uma tendência. A internet facilita,
o youtube divulga e por aí vai! Porém a gente tem que lembrar que
enquanto alguns pintavam bailarinas, Van Gogh se auto mutilava! A
música pode ser mais profunda do que alguns versos bonitinhos que
poderiam ser evitados. Claro, temos exceções, compositoras que
estão fazendo um trabalho sério, cantoras que cantam muito e que
preferem a arte da interpretação, que aliás vai se extinguindo com
esta coisa obrigatória Cantora e Compositora!!!
Eu
fiz poucas letras encima de melodias. Chorando em 2001 foi uma delas.
O Chico Mello, este sim Grande Compositor, me passou a música por
telefone, gravei no DAT e depois trabalhei a letra, que é uma
homenagem ao filho dele, João Mello, que hoje é um ótimo
saxofonista e está morando na Inglaterra! A canção foi feita em
1996. Eu
trabalho com várias possibilidade, musico letras, faço letra e
música juntas. Faço letras separadas. Cantarolo muito quando estou
no carro. Acordo para escrever uma frase.
Eu
sou vidrado no Caymmi, mas não tenho a capacidade que ele tinha,
sintética e ao mesmo tempo tão profundo de melodia e letra. Como
disse, vou fazendo o que posso.
Sou
antena sim! Sinto a humanidade pulsando na minha cabeça. Claro que
não todos (risos). Mas me conecto com o meu tempo e os meus
contemporâneos. Quando
você está na indústria fonográfica, no caso do Brasil, acho que
esta preocupação cai por terra. O objetivo é outro. $$$.
JC -
Você esta sabendo da lei que diz ser obrigatório o ensino de musica
nas escolas? Volto à isso logo mais. Lembrei do caso do sonho que o
Chico teve em que a plateia toda cantava a musica mais “esquisita”
do disco. Foi o próprio Wisnik quem interpretou o sonho como sendo
um desabafo do compositor por não se devidamente escutado –
imaginemos, se até o Chico sofre com essa superficialidade da
escuta! Eu vi que você postou um desabafo parecido no facebook um
pouco antes da estreia do seu show. Você não acredita que o
problema talvez seja justamente uma carência na área da educação
musical do país? Sabendo que a canção é uma arte diferente da
musica, você acha que um professor de musica seria capaz de
despertar os alunos (o público que lhe falta) para a arte sonora
mais popular do nosso país? Na sua opinião, que conhecimentos
seriam necessários que aos alunos – pense o publico em geral –
para que eles adquiram uma autonomia na escuta e possam absorver a
arte desses cancionistas “independentes”?
CC -
Nossa! Sou 1000% a favor. Também estou nesta luta há tempos. Eu
acho que a educação musical é tão básica como a alfabetização
tradicional. Tem que ensinar o básico. Fazer com que as crianças
toquem instrumentos para perder o medo de música. Desmitificar é a
palavra. Mostrar um Fagote, um Corne Inglês, uma Trompa, etc. Fazer
com que todos entoem as 7 notas da nossa música ocidental. Explicar
que nascemos com a música dentro de nós. Que música não é
patrimônio de Músico. A música é de todos e universal. O universo
é música.
E
claro depois pode-se falar de canção, ópera, musicais americanos,
musicais alemães e franceses. Se eu fosse convidado para dar aulas
iria com o maior prazer. Acho que todos os que fazem música no
Brasil iriam dar seus testemunhos nas salas de aula. Mostrar alguma
canção ou um instrumento. O Ricardo Breim, que tem uma escola de
música em SP, tem um programa mensal chamado TOQUE DE MESTRE, onde
artistas consagrados dão uma palestra sobre seus trabalhos. Isso
gera um interesse enorme entre os alunos pois eles veem que há
espaço no mundo para os profissionais de música.
Morrerei
feliz quando souber que todas as escolas municipais e estaduais tem
em sua grade curricular a matéria MÚSICA.
- - -
- - - -
Nota
latejante - do autor: Ano passado foi lançado o livro “A Música
nas Escolas”. Um grande compendio de 288 paginas trazendo debates
com temas atuais sobre o ensino de música nas escolas e ainda uma
série de atividades propostas para a educação básica. De todo
este volume existe uma única página, a de n° 249, que trata da
canção. A página à que me refiro é uma proposta de atividade de
ensino que envolve uma apreciação dos aspectos da letra e da música
em conjunto, contrariando a tendencia de utilizar canções para se
ensinar um conteúdo estritamente musical. Esta atividade foi
proposta justamente por Ricardo Breim, ex-professor (harmonia e
percepção) e amigo do nosso Careqa.
João, legal a aproximação aí com o Careqa.
ResponderExcluirBota lenha na fogueira pra gente continuar se esquentando. Parabéns aí.