(o texto que se segue já é um pouco antigo - começo do ano passado -
faz parte de uma pequena coletânea chamada
"3 ensaios poéticos e porosos"
que fiz como apoio às aulas da primeira turma do curso sobre canção)
Acabo de assistir ao documentário
"Paulinho da Viola – Meu
Tempo é Hoje".
(dirigido por
Izabel Jaguaribe
com
roteiro de Zuenir Ventura):
Logo
na primeira sequência de imagens
– antes
ainda dos primeiros créditos e nome do filme –
Paulinho
viola
a
fronteira entre o passado e o presente
quando
declama:
“Chama
que o samba semeia
a
luz de sua chama
a
paixão vertendo ondas
velhos
mantras de Aruanda.
Chama
por Cartola
chama
por Candeia
chama
Paulo da Portela, chama
(…)
e outros irmãos de samba”
A
chama é o fogo ainda vivo
é
calor e movimento.
A
chama de uma vela acende uma oração
dá
vida a uma prece.
Como
em um templo antigo
muitas
velas clareiam a sala do samba.
E
Paulinho chama
meio
náufrago no passeio público,
para
que possamos nos reunir
a
qualquer hora do dia,
nesta
irmandade de bambas.
Mas
que raciocínio claro tem esse Seu Paulinho!
A
consequência de reviver o passado,
de
violar as fronteiras óbvias do tempo,
só
poderia mesmo ser a extinção da saudade.
E
é isto mesmo que o compositor começa
(e meça
e remeça e arremessa)
explicando
ao seu amigo livreiro
na
primeira cena do documentário.
Um
homem que chama o passado para o presente,
mantém
a chama acesa,
não
pode mesmo sentir saudade.
Paulinho
empunha seu violão,
e
canta e toca
como
quem reza uma oração.
E
é assim que ele canta
e
decanta o samba de Wilson Batista;
cada
palavra com seu sentido especial.
Mas
ainda mais especial
é
o verso que diz
“meu
mundo é hoje”.
É
como se a canção
funcionasse
feito
um
oráculo,
de
onde de repente salta um verso
que
o faz pensar
sobre
algumas relações subjetivas e pessoais
que
resguardavam-se quietas e sem forma
no
interior
da
alma.
Porém
quando
o samba do sambista diz
“meu
mundo é hoje”,
de
fato
não
está querendo nada mais
do
que caracterizar um personagem que,
não
dando valor ao “prezo” da hipocrisia
(e
não é preço e nem peso;
o
que Paulinho canta no filme
-
diferente de sua própria gravação
e
da composição original d Wilson Batista -
é
prezo!),
vive
o presente,
sem
se preocupar com o futuro.
Agora,
este
mesmo verso
cantado
pela figura de Paulinho da Viola,
vindo
logo depois
de
seu “Chamamento”
e
da conversa com o livreiro,
significa
muito mais
do
que isto.
...
é comum quem toma apenas um verso de uma canção,
mesmo que este significasse algo
completamente diferente
em seu contexto
original,
e
o utiliza como um amuleto
capaz de encerrar em si
e
traduzir uma gama enorme de ideias e sensações.
E
o que acontece aqui
é
parecido com o que ocorre com Pierre Menard
ao
reescrever
de
maneira idêntica
o
Quixote em uma das “Ficções”.
E
não era mesmo o Borges
q
falava q
os
artistas
inventam
seus
precursores?
Aí!
O
Borges disse isto em outra circunstância,
mas
o que eu penso agora,
adulterando-o
à la Menard,
é
que este processo de rever o passado
é
muito mais cotidiano do que se parece.
Aliás,
tem
ainda aquele poema
do
Augusto de Campos,
o
“rever”,
que
à maneira de Ezra Pound,
“make
it new”,
parece
tratar de questão semelhante.
Considerando
isto,
creio
que se
o
Paulinho fosse de Campos,
ele
faria o poema:
“reviver”.
E
...
é
justamente da parodia do verso em questão,
de
Wilson Batista,
qe
Paulinho Batiza
seu
documentário.
...
quando o filme começa o samba entoa:
“Eu
sou assim
Meu
mundo é hoje
não
existe amanhã pra mim”.
...
ao final do filme Paulinho recria:
“Meu
tempo é hoje
eu
não vivo no passado
o
passado vive em mim”.
E
isto não é
por
pouco o
poema
q eu
Nenhum comentário:
Postar um comentário