João de Carvalho
“En el
siglo diecinueve, con la invención de las máquinas, nació el
Ruido.” Luigi Russolo
Faz algum tempo que digo aos meus alunos que o cerne das experimentações musicais mais recentes, no âmbito da canção, não estão mais focadas no desenvolvimento melódico-harmônico (e poético), que foi o principal motor da MPB. Ao contrário, para muitos dos recentes casos, este desenvolvimento teria regredido em prol de um conceito mais amplo de sonoridade.
Os mais novos expoentes da canção não são grandes músicos
quando, o que focamos em nossa escuta, são os desenvolvimentos
harmônicos. Porém, quando expandimos nossa concepção do que é
música para aspectos relacionados à sonoridade, podemos notar como
estes artistas são extremamente musicais e sensíveis.
Mas existe uma diferença fundamental entre os músicos atuais
(incluindo os nomes antigos, mas que ainda estão na ativa) e os da
década de 1970. A distância entre o cancionista e o homem que cuida
da parte técnica de captação, registro e edição do som,
encurtou. Antes, um cancionista procurava um grupo de músicos para
dar vida à sua obra, hoje um cancionista pode mais facilmente
procurar alguém que domine as técnicas de produção fonográficas.
Bem, por aqui parece que isso ainda precisa ser dito, mas eu estava
somente dando luz à roda, chovendo no molhado. Explico. Meu amigo
virtual, Roberto della Santa, grande apresentador de gentes, me
colocou em dia sobre o debate que ocorreu envolvendo o cancionista
Rômulo Froes e suas declarações sobre uma “nova geração” de
cancionistas. Debate já antiguinho (do começo do ano passado), mas que ainda vem
ecoando.
A primeira coisa que gera um constrangimento nas declarações do
cancionista/crítico é a insistência na ideia de uma “nova
geração”, que ao meu ver não existe enquanto unidade. Rômulo
afirma que todo músico tem um computador para produzir, e que quem
não tem, simplesmente não produz música hoje em dia. Ora, então
será mesmo que o Criolo, por exemplo, só passou a produzir música
agora que ele estreitou seus laços com quem pode gravar? Obviamente
só mesmo uma visão muito pragmática e pessoal poderia desmerecer a
existência daquelas canções em seus anos de interpessoalidade não
mediada por um suporte tecnológico. Não creio que o autor do texto
em questão concorde com essa ideia, mas essa ideia permeia seu
raciocínio.
A segunda coisa se refere ao próprio louro da “nova geração”:
o timbre. (Isso gerou inclusive vários comentários contrários).
Por diversas vezes Rômulo se utilizou deste termo para qualificar os
trabalhos de seus pares. Creio que existe mais uma confusão aqui.
Utilizo a palavra sonoridade, de maneira expandida, onde timbre e
textura formam uma unidade. Certamente a busca poética de timbres é
algo que os trabalhos mais recentes costumam se esmerar, porém isso
não difere estas obras das produções de outras épocas. O esmero
do timbre é algo que está presente em qualquer trabalho refinado,
de qualquer época e de qualquer estilo.
Mas existe um algo a mais na sonoridade dos trabalhos mais recentes.
Estes parecem ter problematizado com mais ênfase a incorporação de
texturas pontilistas, com silêncios e vazios expressivos. Além
disso, compõe essa sonoridade geral, a maior intimidade de ruídos
como matéria poética, fragmentação do discursso. Sem dúvida o
manuseio de computadores e programas de edição facilita muito esse
tipo de processo.
Eu poderia dizer, em uma metáfora provocante, que a canção hoje é
mais plástica do que antigamente. Vale toda a ambiguidade da
expressão, mas quero focar no aspecto pictórico da formulação.
Se formos desenhar o que acontece com os sons de uma canção mais
nova e de uma mais antiga, provavelmente chegaremos a desenhos bem
mais interessantes com o primeiro caso. É muito fácil imaginar que
essa percepção seja amplificada pela proximidade que o aparato
tecnológico nos coloca de um processo pictórico. Na edição de uma
música se recorta, cola, inverte, amplia, diminui, sobrepõe,
fade-out, fade-in, cross-fade, fora a própria visualisação das
ondas.
Mas dizer isso seria negligenciar o fato de que tudo isso também se
desenvolveu, e bem antes, nas pautas tradicionais e nas
experimentações de Tom Zé.
Se vamos debater sejamos menos superficiais e mercadológicos e
peguemos também os experimentos do Arthur Campela e do Chico Melo,
poxa, por que não?
Só porque o áudio e o vídeo não tem a qualidade mínima para
entrar em um mercado vamos negar o papel dessa fatia da produção
cancional?
O que é canção erudita e popular? Acho que o rótulo “canção
de consumo” tem que ser um aviso de que relações comercias rondam
a experiência poética, mas jamais atuar como reguladora da
experimentação.
Voltando um pouco, ainda tenho que dizer um pouco sobre a utilização
do ruído, sobre a fragmentação do discursso, e sobre a querela
com o Luiz Cláudio Ramos.
Hoje estive na TOCA com a Janete El Haouli, e ela me disse que faria um
evento em celebração ao centenário da publicação de L'Arte
dei Rumori (A arte do ruído), do
Luigi Russolo, o primeiro marco da valorização do ruído (e
discussão sobre o que é o ruído) como material musical. Bem,
talvez de fato os arranjadores da canção popular brasileira sejam
um tanto quanto conservadores, e ainda se esmeirem muito na condução
de vozes. Mas, sejamos francos, o quanto de ruído as novas produções
comportam? Será que os ouvidos dos jovens compositores/produtores
estão tão livres e limpos assim? Nesse quesito os tropicalistas
deram passos mais radicais (e originais), --- gente, e antes o
Hendrix também já tinha chutado a barraca, né? --- ponto
Na fragmentação do discurso vejo
uma tendência atual, ainda que não nova. Toda a relação de espaço
tempo muda para um homem urbano. Poesia concreta não é à toa. Isso,
apesar de ser amplamente tematizado nas composições musicais dos
compositores de “música contemporânea”, parece-me que chegou ao
universo da canção via reggae e afrobeat. As texturas acabam sendo
úteis porque formam gestalts, criam espaços. A rotatividade de
texturas provoca uma constante atualização da escuta. É como andar
no centro de uma cidade, entrar e sair de cômodos, zapear a TV, mil
janelas e abas no navegador.
Mas
aí o texto enfia o pé na armadilha mais fatal, vai criticar o
arranjador do Chico Buarque. Oh!!
Rss...
Uma grande ousadia que merece ser parabenizada pela coragem em, mais
do que ao Luiz Claudio Ramos, se impor em meio à uma crítica mal
preparada e bajuladora! Louro à parte, o autor apresenta uma pequena
(e inocente) análise dos últimos discos do Chico, focando um
diálogo existente entre as primeiras faixas dos álbuns. Mas culmina
na afirmativa de que o último disco é mais fraco do que os
anteriores. Putz! Como isso? Que escuta mais tendenciosa! Eu penso e
argumento o contrário. Radicalmente o contrário. Acho que Chico é
o melhor disco do Chico! Tenho meus motivos para achar isso, e por
isso causa polêmica, pois os motivos são MEUS, mas daí a
representarem uma verdade é um “passo torto”, com o perdão do
trocadilho.
Também penso que, por vezes, o
Luiz cai em algumas inocências durante os arranjos (principalmente
na primeira faixa, ao colocar elementos quase ilustrativos do texto),
mas estes momentos não são, de forma alguma, a maioria dos casos. O
que escutamos na maior parte do tempo são refinados contrapontos e
encadeamentos. E não podemos deixar de dizer que o time de
instrumentistas é de primeiro escalão, o que inevitavelmente
agrega muito à sonoridade.
Um exemplo de inocência, segundo
Froes, seria o arranjo de Tipo um Baião. Discordo novamente, o
arranjo desta canção é genial! Respeita e amplia a canção de
Chico. Não é nada ingênua a oscilação dos andamentos e das
texturas deste arranjo, que recria em sua macro estrutura a principal
metáfora da canção. Um coração sanfona.
(artigo interessante)
Mas o Luiz não é um cara inocente
mesmo! É só escutar como a guitarra é timbrada aos demais
instrumentos. E aquela melodia da introdução? Que coisa é aquela,
meu deus?! … Tá, quer escutar como é rico o trabalho de
sonoridade dos arranjos do Chico? Escutem o gesto final de Tipo Um
Baião (+- 3'21''), uma frase que vem pipocando nos instrumentos.
Que coisa mais bem acabada, minha mãe!
Bem, vejam o lado positivo, niguém
falou que o arranjo do Luiz Cláudio para “Se eu soubesse” não era melhor (ou, menos ingênuo) que o arranjo do disco da
Thaís...
querido joão! antes de mais nada, Como eu gosto de lê-lo! Acabei de ler as ressalvas que você faz ao texto, quanto a "nova geração". Concordo com as ressalvas e compreendo a escrita do texto: de uma vez e de supetão. Muitas coisas na cabeça, vários textos e debates que se lincam com aquilo que nos é caro. O "melhor" do post é saber que você tem um artigo sobre Tipo Um Baião. Eu não conseguiria dizer que Chico é o melhor, mas eu sou do time que acha CHICO um put'álbum. Mesmo. Gosto que gosto.
ResponderExcluirPoderia render mais comentários, mas por ora a pilha acabou. Digo-lhe que encaminhei o post pro Walter - que é meio ruim de internet, mas que acho que vai gostar de ler o que você diz sobre o Luiz Cláudio.
E encerro também citando Vinicius de Moraes - como eu sou clichê! - de uma frase que ele solta numa crônica chamada "Ser moderno" - que indico fortemente pra você.
"E por falar nisso: pode haver nada mais velho do que o novo?"
Opa Isa! Fico feliz! ... lembrei que tenho que postar as ressalvas aqui, para que outros tb possam ler: "... tenho que dizer que fiz o texto em uma só tacada, e que depois fiquei ruminando muita coisa... 1º acho que simplifiquei de maneira tendenciosa as texturas dos "novos compositores" como pontilhista (na verdade estava escutando o passo torto passo elétrico)... 2º acabei não citando nehum compositor novo (os que eu citei são, de fato, de outra geração) que fuja da regra que o Rômulo Froes tentou esboçar e eu tentei discordar... no fundo por concordar com ele mas não gostar de um raciocínio tão reto... no mais, ainda acho que é uma boa leitura e que desenrola alguns nós conceituais que se tem caído."
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