João de Carvalho
Juçara
Marçal lançou seu primeiro disco solo, o “Encarnado, no início
da semana passada. Desde então é o disco que estou escutando no
mp3. Resumindo, é um disco tão lindo, ousado e bem feito que
naturalmente somos convocados para escutar de novo. A produção é
independente (ela mesma bancou a gravação) e está disponível para
download gratuito no site: Juçara Marçal
O
entrosamento de Rodrigo Campos e Kiko Dinucci – que tocam também
no Passo Torto, com Romulo Froes e Marcelo Cabral – chegou ao seu estado de maior
sintonia. De cara, temos como primeira faixa do álbum a canção
“Velho Amarelo”, do próprio Rodrigo. Reparem que o
acompanhamento é feito somente por guitarra e cavaco distorcidos,
onde a harmonia fica dividida em módulos de arpejos que, pra mim,
remetem claramente às texturas circulares da kalimba africana –
instrumento utilizado pela Juçara para se acompanhar em “Canção
pra ninar Oxum”.
E uma das
histórias que este disco conta é justamente essa. A de um caminho
da música de raiz africana no Brasil. Isso, é claro, já vem dos
trabalhos anteriores do Metá Metá.
Vale lembrar que o refrão afro de “Mariô” do Criolo é do
Dinucci, e os metais do Thiago França! Encarnado é o disco de uma
cantora afro-brasileira, e de autores afro-brasileiros.
Em
“Damião” podemos confirmar a força desta nova geração de
cancionistas, o que o Romulo Froes apontou como a inventividade com o
“timbre”, e que eu trato por “sonoridade”, para que assim
escutemos também o elemento “textura” como protagonista deste
“novo domínio” do cancionista. E, assim como Pixinguinha deve
ser lembrado como um cancionista, não só por seus temas que
ganharam letra, mas sobretudo por ser um baita orquestrador de seu
tempo, ajudando a definir a sonoridade do regional brasileiro, o que
seria fundamental para o samba... bem, assim caminha o Thiago França!
São
muitos os momentos inspirados do álbum, mas o climax do disco é sem
dúvida bem na metade do repertório, a 6ª faixa, “Ciranda do
Aborto”, de autoria de Dinucci. Tanto em Odoya – faixa anterior –
quanto na “Ciranda”, existem momentos de improvisação textural
super ousados! Talvez, até onde minha memória pode resgatar, a
canção brasileira nunca esteve tão próxima deste tipo de
sonoridade. Mesmos as experiências do Caetano sempre tinham um certo
tom de “teste”, e não de domínio das sonoridades dos músicos
de vanguarda. Agora não, em Odoya e Ciranda do Aborto, Juçara e o
trio de meninos (chega a rabeca do Thomas Rohrer) conseguem criar uma
atmosfera interessantíssima para as canções.
Cada uma
das doze composições merece uma escuta atenta. Mas, como o tema
central do dico – como bem pontua Romulo Froes aqui – é a morte,
não podemos deixar de mencionar a genial regravação de “A Velha da Capa
Preta”, composição de Siba. O arranjo que o Kiko e o Rodrigo
elaboraram é uma puta aula sobre “acompanhamento” de canção.
Nem preciso dizer, escutem só como o texto e a ironia do Siba
brilham dentro deste arranjo:
“Encarnado”
deixa claro que a geração que a crítica cultural do país quis
taxar como morta, está mais viva do que nunca. Pra quem ainda não
baixou o disco, tá esperando o que? E para os que já estão
encantados, esperamos agora, aqui em Londrina, poder conferir este
show de perto!
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