João de Carvalho
Bem,
daqui a dois dias o cantor e compositor Siba estará em Londrina
trazendo o show de seu último disco, o "Avante". O álbum
foi lançado no começo do ano passado e, segundo o próprio Siba, é
um pretexto para reunir e viabilizar o que realmente importa: o show.
Mesmo assim, encarando o disco como "simples pretexto" e
como ponto de partida de um processo que vem se desenvolvendo já faz
quase dois anos nos palcos do Brasil e do Mundo - ele virá para
Londrina depois de uma passagem por Londres - "Avante"
conseguiu se manter como um dos melhores discos lançados em 2012. E
foi um ano de grandes discos, diga-se de passagem.
E, se
por um lado é uma pena que o show tenha demorado tanto para vir pra
cá, teremos a oportunidade de conferir um estágio bem mais
experimentado desse processo infinito – peno menos até seu “Mute”
final – deste artista que trabalha muito além da superficialidade
que esta época de imagens rápidas nos impõe. Vamos com calma, o
quero dizer é que Siba é um artista que realmente tem conflitos
estéticos profundos, e que vem se equilibrando entre as condições
– e contradições – do mercado musical com extrema integridade.
Vejam
bem o conflito deste cantador pernambucano (segundo o que compreendo,
é claro, rss): como respeitar e compreender as formas artísticas
tradicionais de sua região sem ao mesmo tempo cair em um sentimento
de nostalgia que tende a estancar o fluxo vivo desta mesma cultura?
Em outras palavras, como ser atual e trazer dentro de si as bases de
sua tradição? Em tempo, por “sua tradição” estou me referindo
ao “maracatú de baque solto” - principalmente, onde Siba se fez
um mestre e formou sua própria nação, o Maracatú Estrela
Brilhante - e todas as poéticas populares que tem no verso rimado e
metrificado seu tronco comum.
No
Mestre Ambrósio esta questão era evidente, afinal o grupo surgiu
dentro do movimento manguebeat, mas mesmo a Fuloresta não é um
grupo de maracatú típico. Vale dar uma lida no texto que fizemos, o
Danilo Lagoeiro e eu, sobre o diálogo cancional entre a Céu e o Biu
Roque (aqui). Neste texto, uma leitura um pouco técnica, fica
evidente que mesmo o trabalho da Fuloresta não é um resgate
tradicionalista ou folclórico, e sim que joga com a tensão de como
traduzir toda a riqueza musical da zona da mata para o disco (no caso
do nosso recorte) e para o palco (tradicionalmente não existe nem
palco nos festejos de maracatú).
Avante é
um novo passo nessa caminhada, e se Siba foi – talvez – o
mangueboy mais radical em sua imersão na cultura tradicional, é
aqui que esta imersão adquire uma profundidade realmente atemporal.
A geografia deste novo álbum aponta para elos distantes entre a
cultura local – novamente, Zona da Mata pernambucana – e lugares
distantes (distantes?) como o Congo ou o Afeganistão.
Tá, mas
isso é só um post de aquecimento para o show do sábado, e eu tenho
muitas teses e intuições sobre este disco que é um dos álbuns que
– sem exagero – mais marcaram a minha vida. Já chorei tanto e
dei tanta risada ao som destes nem 44 minutos... Vamos focar em um
ponto? Que tal o vídeo-clipe lançado em junho deste ano?
Preparando
o Salto é a primeira canção do disco. Este clipe, produzido por
Renan Costa Lima, é um diálogo com algumas das referências mais
profundas do disco: que lugar é esse? Apesar de simples o clipe
propõe uma série de referências iconográficas muitos sugestivas e
pertinentes com a estética metafórica e existencial de Siba. Mas,
vamos lá? Que lugar é esse? São dunas brasileiras ou estamos em
pleno Oriente Médio? Me lembro daquele filme, “Casa de Areia”,
em que o Andrucha Waddingtton utiliza esta paisagem branca das dunas
para evocar um não território, atemporal, quase lunar.
Nessa
perspectiva lunar, podemos até mesmo ver uma espécie de pequeno
príncipe andando em circulo sobre seu planeta. Mas, percebam, não é
só a imagem – nem sei porque comecei falando dela – que joga com
esta desterritorialização. Que som é esse? Preparando o Salto é
uma canção ousada, não só pela métrica impar que remete –
neste caso – aos compassos da música árabe de um modo geral (1234
1234 12 1), mas como pelo
plano da composição timbrística que é uma das investigações
mais radicais do álbum.
Um
último comentário – isso é só um post de aquecimento, não um
artigo científico – o final da letra de preparando o salto rompe
com o esquema métrico proposto no início (quadras em 12 sílabas).
Isso não é um acaso. Esse rompimento – primeiro apresentando uma
quadra em redondilha maior, e depois chutando o pau de vez com um
verso, rimado, mas livre – é uma materialização do próprio tema
deste fragmento:
Vou passar
Como um santo mudo
Mirando o alto
Rindo
Preparando o salto
Deixando pra trás … tudo
E aí?
Vamos pro show nos divertir e nos alimentar dessa poesia que costura
tempos e territórios?
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