João de Carvalho
“Será
que o rojão partiu
Do
lado de cá?
Quem
rachou a rua em partes
O
circo quer armar
Diabo
é o que separa
Raiz
de todo o mal
O
bode o bonde a cabra
Ensanguentada
do Cabral”
(Dragões,
João de Carvalho e Betto De La Santa)
I
O Temido.
Avança sobre o território
que hoje chamamos Brasil
uma ideia que se engana
e se chama Sem Partido.
quem se acolhe nessa flama
verde, amarela
e se inflama
fuzil anil
encolhe a alma sem ao menos refletir
sobre o que é o Brasil.
E o que é ser brasileiro?
E brasileira?
Viiixxiii,
bota água na chaleira...
Brasil
convém lembrar
nome de madeira
indígena
e de cor vermelha.
Este amplo território
não é um hino
e nem as cores
de uma bandeira.
E quem diz que o ama
lembre do nome:
Pindorama.
Brasileiro,
brasileira
são
as gentes que brotam
por
estas terras.
Mas sob o nome
sob os escombros das palavras
por detrás da aparente unidade
sempre estivemos
partidos.
Separados
uns dos outros
e o que se chama classe
são histórias de
famílias
nomes que se misturam
ou não se
misturam.
Viu, dia desses disseram
que aboliram a
escravidão.
Digo assim pois 1888
foi ontem pra história
disso que chamamos Brasil.
II
O
advogado Miguel Nagib redigiu o PL chamado Escola Sem Partido,
atendendo o desejo dos Bolsonaro, sob o argumento de que muitos
professores estavam sendo antiéticos e de que os estudantes estavam
sendo desrespeitados em suas opiniões. Dizem, os defensores do
Escola Sem Partido, que a doutrinação ideológica é o grande
problema da desvirtuação moral que vivemos. O Brasil está fora dos
trilhos por falta de um pulso firme e um alinhamento de caráter,
coisas que todo bom Pai de família tem. E se o filho deste Pai
começar a contestar os valores éticos e morais da própria família?
Certamente é culpa dos professores degenerados que estão fazendo
doutrinação ideológica ao invés de ensinar os conteúdos, afinal,
assuntos como discriminação racial ou violência de gênero, nunca
fizeram parte das jantas na família do Pai. Isso explica tão bem a
tristeza de ver a família partida. Querem tirar a graça de todas as
piadas do bom Pai com essa história de “politicamente correto”.
Isso é mimimi, dizem. Daqui a pouco a filha vai chegar querendo
apresentar a namorada, e tudo o que o Pai quis ensinar ruiu. Já não
chega a putaria da televisão, agora escola é lugar de TRAVESTI?!
Reparem
que o movimento Escola Sem Partido, que no caminho de sua expansão
nacional também quer se estabelecer em Londrina, fala sempre ao Pai
de família. Diz que vai proteger seu reinado, mesmo que diga isso
pra mãe, pra filha ou pro filho, é pra eles dizerem pro Pai. A
mensagem, em qualquer “debate público sobre o tema”, é pra
tranquilizar o coração do chefe da casa. E o coração desse Pai
anda tão aflito, temeroso com seu futuro e de seus filhos, indignado
com a corrupção dos políticos, de todos os políticos, mas
principalmente do Lula e do PT, que é muito razoável esse Pai
acreditar que os professores possuem partido sim, pois afinal, quando
estávamos sob a “ditadura do PT” os alunos não ocupavam as
escolas pra fazerem manifestações. E estas ocupações onde os
jovens ficam sozinhos, são só putaria pra atrapalhar quem quer se
formar logo. Tudo vagabundo! Teve até Pai que matou o filho por ter
certeza que isso não dava mais pra tolerar. Um absurdo! E se matou
também.
O próprio nome Escola Sem Partido é uma mentira. Dizem que não possuem partido ou intenções ideológicas, e buscam esconder dos Pais siglas como PSC e MBL. FIESP e DEM agradecem. Aqui em Londrina, por exemplo, a militância do Escola Sem Partido – que mira também a “proteção” dos estudantes de ensino superior, tratando-os ainda como incapazes de reflexão autônoma e massa de manobra – articula-se com o movimento Filhos da UEL. Isso sem contar a articulação das escolas com a Guarda Municipal (que tão bem recebeu o Jair Bolsonaro), movimento que já está acontecendo. O Escola Sem Partido é, sem sombra de dúvida, o primeiro projeto educacional do governo totalitário que ameaça o horizonte do Brasil. Mas eles não contam isso, é claro. Um projeto educacional que narra Paulo Freire (educador de reconhecimento internacional) como um monstro e é apoiado por Alexandre Frota (aplaudido em programa popular ao confessar o estupro de uma Mãe de Santo). Eles estão querendo te enganar, ó Pai. E sabem muito bem o que dizem.
O próprio nome Escola Sem Partido é uma mentira. Dizem que não possuem partido ou intenções ideológicas, e buscam esconder dos Pais siglas como PSC e MBL. FIESP e DEM agradecem. Aqui em Londrina, por exemplo, a militância do Escola Sem Partido – que mira também a “proteção” dos estudantes de ensino superior, tratando-os ainda como incapazes de reflexão autônoma e massa de manobra – articula-se com o movimento Filhos da UEL. Isso sem contar a articulação das escolas com a Guarda Municipal (que tão bem recebeu o Jair Bolsonaro), movimento que já está acontecendo. O Escola Sem Partido é, sem sombra de dúvida, o primeiro projeto educacional do governo totalitário que ameaça o horizonte do Brasil. Mas eles não contam isso, é claro. Um projeto educacional que narra Paulo Freire (educador de reconhecimento internacional) como um monstro e é apoiado por Alexandre Frota (aplaudido em programa popular ao confessar o estupro de uma Mãe de Santo). Eles estão querendo te enganar, ó Pai. E sabem muito bem o que dizem.
III
Uma
opinião bem formada conhece os vários argumentos, correto?
Não
preciso de plaquinha na sala me dizendo que eu DEVO mostrar os vários
pontos de uma questão. Mostro quando sinto e acho propício ao
desenvolvimento d@ estudante que é meu mano, minha mana, meus irmãos
e irmãs. Talvez eu seja um irmão mais velho, mas não sou Pai dos
alunos. E nem o Estado é meu Pai. Posto isso, reflitamos sobre os
tais deveres do professor que o projeto de lei quer fixar nas
Escolas.
Dever
1:
O
professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para
promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou
preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e
partidárias.
Consideração: Toda a minha experiência de ensino, bem como a que
me chega por meio de relatos dos próximos, é permeada por
versículos bíblicos nos quadros e orações nas salas dos
professores. Anos entrando em sala de aula e recebendo a pergunta de
se eu era católico ou evangélico. A maior doutrinação religiosa
da escola brasileira é cristã. O Pai que se ampara neste texto para
cobrar qualquer coisa do professor desconhece o processo dialógico
de construção do conhecimento. O professor não tem tanta moral
assim com seu filho, não. A menos que esteja faltando Amor no lar, e
o ser humano que trabalhe como professor de seu filho seja alguém
mais amável que os que ele possui em casa.
Dever
2:
O
professor nem favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de
suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou
da falta delas.
Consideração: O que é favor ou prejuízo em sala de aula? Notas?
Dar uma nota baixa para um conhecimento não aprendido é um favor.
Prejuízo é o preconceito. Uma vez, durante uma aula de Educação
Musical, em que debatíamos estratégias de ensino para um conteúdo
básico da música popular brasileira, que é a história e os
fundamentos do samba, eu perguntei para a turma o que eles
compreendiam ser os Orixás. Uma estudante disse – estávamos em
roda e ela se sentiu livre para dizer – que, amparada em mais de 10
anos de leituras da Bíblia, ela tinha certeza em afirmar que Orixás
eram demônios. Se eu não corrigir este equívoco cotidiano em sala
de aula, aí sim estarei prejudicando seu filho.
Dever
3:
O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
Consideração: Quem vai dizer o que é e o que não é “propaganda
político-partidária” é o recorte descontextualizado das
múltiplas práticas pedagógicas de um profissional, gravado em
vídeo e exposto como espetáculo na internet? Uma das motivações é
bloquear a vinculação do nome Bolsonaro ao fascismo, que se diz
caluniado e perseguido pelos professores esquerdistas. Mas não
apontar que um indivíduo esteja mantendo ideologias fascistas é o
verdadeiro prejudicar o aluno e a sociedade, e é sintomático que
neste contexto de agravamento da crise política e social brasileira,
surja um movimento que quer calar a boca dos professores, pois os que
dão nomes aos bois podem atrapalhar o plano de poder conservadorismo
insurgente. E vão dizer que consciência é incitação aos alunos?
Oras, “Quantas ruas um homem deve parar antes que o chamem de
homem?” Mais ou menos assim o Nobel de literatura, Bob Dylan,
inicia sua célebre canção.
Dever
4:
Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade -, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.
Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade -, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.
Consideração: Exercitar o ambiente polifônico dentro da sala de
aula não tem nada a ver com obedecer a um “dever”, que mais
parece um mandamento divino, de dar a “mesma profundidade ou
seriedade” no tratamento de todas as opiniões sobre um dado tema.
Muitas vezes o mais justo não é isso, e sim reforçar ou corrigir
algumas compreensões sobre determinados assuntos, ainda imaturos por
parte dos alunos. O pensamento de medo e intolerância ao diferente,
que desemboca nos movimentos fascistas, e que está presente em
vários discursos bastante difundidos em nossa sociedade atual, não
é uma questão de teorias divergentes sobre a realidade, meros
pontos de vista, e sim um equívoco de pensamento a ser corrigido
também na escola.
Dever
5:
O professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
O professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
Consideração: Um dos fatos mais comuns em contexto escolar, durante
aulas de Educação Musical, é a risada de zombaria e deboche,
acompanhada da fala “é música de macumba!”, em resposta à
qualquer audição de música com tambores ou percussão mais
expressiva. De que espécie de “respeito” este “dever”
proposto pelo PL se refere? Qual é esta moral de casa que não deve
ser contraposta pelo professor? Este item cria o mecanismo legal para
amparar que os estudantes não permaneçam em aula, quando alegarem
que qualquer atividade proposta pelo professor vai de encontro com as
convicções morais da família. Isso, de maneira diluída, já
acontece mesmo sem a tal plaquinha de deveres. E novamente o que me
chegam são relatos de casos de professores que não conseguem
trabalhar conteúdos específicos – percussão no Maracatú, por
exemplo – por resistência dos pais dos alunos, que proibiam seus
filhos de aprender! Que tristeza, tantos pais e mães perdidos,
querendo exercer o poder (que a sociedade lhe tira) no controle dos
filhos. Se dessem as mãos, pais e filhos, e caminhassem juntos seria
tão mais bonito, os pais se transformando, aprendendo eternamente,
junto dos filhos e da escola. Mas não, todo Bom Pai de família sabe
o que é o certo, o correto e o de Deus, e o que é bom é bom e o
que é ruim é ruim e ponto.
Dever
6:
O professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula.
O professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula.
Consideração: E depois do professor bem amordaçado, esse
derradeiro item tampa a brecha de terem figuras convidadas durante as
aulas, que possam eventualmente subverter as visões de mundo os
alunos. Na prática fecha assim: o professor não pode colocar o
aluno pra pensar, deve apenas lhe transmitir informações técnicas,
e não pode deixar ninguém que não possua o mesmo código de
fidelidade à insensatez do Estado dialogar com os estudantes,
devendo manter-se vigilante para que os mesmos continuem sem pensar.
IV
E
ficou de terminar o texto hoje, dia dos pais. Está chovendo. E os
meninos estão elétricos e por perto. Eu preciso de silêncio, eles
precisam se expressar, gastar energia. As vezes me interrompem, me
chamam a atenção, até que grito: Pô, gente, fiquem quietos aí!
Já expliquei que preciso me concentrar. Diminuem a bagunça. Logo o
tumulto se reinicia. Eu repito a cena, com pequenas variações. E
vamo que vamo, estão felizes, crescendo, e é isso que importa, não
meu controle ou meu poder de silencio. Um dos meus filhos está aqui
agora, de castigo. Não teve como, os dois juntos não controlam o
corpo, a voz. Mas está de boa, explorando a sombra da mão com uma
lanterninha. Acabando o parágrafo você pode voltar lá, junto do
seu irmão, explico. Pronto, acabou, vai, mas fica quieto, blz!? Mas
agora eu prefiro ficar um pouco mais, ele me diz. Tudo bem.
Uma
cena como esta contém muitas relações com dramas educacionais
cotidianos. Qual a força da palavra de ordem dos professores? Como
os professores lidam com suas necessidades pessoais de controle – o
autoritarismo é uma desmesura frequente em professores dos mais
diversos matizes ideológicos – e por quais vias exercem suas
funções de autoridade nos grupos? Essas são algumas questões que
estão presentes na formação dos professores. Professores que não
estão sempre certos, assim como também os pais erram. E, cá entre
nós, como erram os pais! Tadinhos, erramos mesmo. Muitas vezes não
sabemos das coisas e temos que fazer cara de que temos tudo sob
controle.
Se
a Escola pública do país enveredar realmente pelas vias de
descrédito ao professor, que o Escola Sem Partido impõe como
consequência direta, teremos sim uma grande máquina de ilusão,
incapaz de refletir a sociedade e a vida que a envolve. Maquiar as
contradições, as dores, os erros. Não existe machismo, nem nunca
houve ditadura, escravidão foi uma história de muito tempo atrás,
e racismo é fantasia. O Pai deve estar sempre certo. Vamos celebrar
o dia dos pais nas escolas, e sorrir na cara das formas familiares
onde o pai não consta – bloqueando um movimento global de
conscientização e sensibilização dessa questão por parte dos
professores, que vêm eliminando estas datas de seus eventos.
A
Escola irá, se caminhar para as propostas "sem partido",
se distanciar da realidade vivida na sociedade. E pior,
culpabilizará – de maneira alucinatória e delirante – todas as
minorias pelas sequelas da sociedade: a culpa do mundão tá virado é
dessa viadagem toda, falta de princípios morais; a violência é
culpa desses vagabundos, que só querem saber dos direitos humanos;
os problemas econômicos são culpa dos corruptos, que são os
políticos, nunca os empresários. Todas respostas que se distanciam
da realidade, só para protegerem a visão heroica da paternidade.
Visão amparada na certeza da razão dos valores do Pai, presente em
muitos seios familiares.
Retirar o debate sobre sexualidade com os jovens do e no espaço Escolar, como o proposto pelo ESP, é deixar toda uma população desamparada. Crescem os casos de HIV entre a juventude, bem como os casos de homofobia e transfobia. Onde deveríamos ter Luz querem jogar Trevas. E assim vai. Escravidão, machismo, classes sociais, vamos jogar tudo pra debaixo do tapete só por serem temas que atrapalham nossas refeições. Ainda temos refeição. Mas como serão os seres humanos que sairão de escolas assim? Uma massa completamente desconectada de seus desejos e pulsões, pronta – quando muito – para sub-empregos (esse é o rumo de todos os empregos depois dos retrocessos trabalhistas e da previdência) e uma situação de completo abandono social (lembremo-nos do congelamento de investimentos dos próximos 20 anos). Como seremos daqui 20 anos?
A pior faceta da Escola é esta: a que atente ao cruel plano de gerar mão de obra barata, dizimando as culturas e sabedorias locais. Atuando pelo mundo, transformando jovens de tribos com conhecimentos ancestrais em marginalizados. O poeta e sábio Rabintranath Tagore reflete sobre a educação – inglesa – na Índia da seguinte forma: “A escola forçosamente arranca as crianças de um mundo repleto de artesanatos de Deus. É um mero método de disciplina, que se recusa a levar em consideração o indivíduo, uma fábrica para gerar resultados uniformes. Eu não fui uma criação da direção escolar: o Ministério da Educação não foi consultado quando eu nasci neste mundo.”. Poderia ser o relato do estranhamento dos indígenas à educação escolar.
Uma escola muito diferente da imaginada pelo educador Paulo Freire. Vale lembrar que o autor da Pedagogia da Autonomia, o grande alfabetizador, é uma das figuras pintadas como sendo quase o capiroto pelos membros do ESP. A Escola como espaço de debate aos temas caros à comunidade, esquece. Vai ser considerado doutrinação ideológica e incitação à manifestações políticas se o professor começar a trabalhar com a pauta dos conflitos vividos, por exemplo, em uma comunidade de pescadores artesanais? Ah, se a comunidade começar a se transformar e se organizar, pode ter certeza que certamente haverá algum Pai pronto para sabotar o processo de esclarecimento e aprimoramento da consciência.
Hoje um mano desabafou no facebook que seu pai havia saído já fazia 15 anos pra comprar cigarros. Um dia de dor e amargura, pra ele. Eu lhe disse sobre Darcy Ribeiro, que dizia ser feliz por ter perdido o pai cedo e nunca ter tido filho, pois não lhe pesou uma voz autoritária que quisesse lhe doutrinar, de modo que ele nunca precisou doutrinar ninguém. Quem dizia isso era o próprio Darcy, uma das pessoas que mais contribuiu para a educação do povo brasileiro. Ele, que contribuiu muito com a pesquisa antropológica no Brasil, já dizia que o povo brasileiro é muito mais indígena do que se supõe.
Retirar o debate sobre sexualidade com os jovens do e no espaço Escolar, como o proposto pelo ESP, é deixar toda uma população desamparada. Crescem os casos de HIV entre a juventude, bem como os casos de homofobia e transfobia. Onde deveríamos ter Luz querem jogar Trevas. E assim vai. Escravidão, machismo, classes sociais, vamos jogar tudo pra debaixo do tapete só por serem temas que atrapalham nossas refeições. Ainda temos refeição. Mas como serão os seres humanos que sairão de escolas assim? Uma massa completamente desconectada de seus desejos e pulsões, pronta – quando muito – para sub-empregos (esse é o rumo de todos os empregos depois dos retrocessos trabalhistas e da previdência) e uma situação de completo abandono social (lembremo-nos do congelamento de investimentos dos próximos 20 anos). Como seremos daqui 20 anos?
A pior faceta da Escola é esta: a que atente ao cruel plano de gerar mão de obra barata, dizimando as culturas e sabedorias locais. Atuando pelo mundo, transformando jovens de tribos com conhecimentos ancestrais em marginalizados. O poeta e sábio Rabintranath Tagore reflete sobre a educação – inglesa – na Índia da seguinte forma: “A escola forçosamente arranca as crianças de um mundo repleto de artesanatos de Deus. É um mero método de disciplina, que se recusa a levar em consideração o indivíduo, uma fábrica para gerar resultados uniformes. Eu não fui uma criação da direção escolar: o Ministério da Educação não foi consultado quando eu nasci neste mundo.”. Poderia ser o relato do estranhamento dos indígenas à educação escolar.
Uma escola muito diferente da imaginada pelo educador Paulo Freire. Vale lembrar que o autor da Pedagogia da Autonomia, o grande alfabetizador, é uma das figuras pintadas como sendo quase o capiroto pelos membros do ESP. A Escola como espaço de debate aos temas caros à comunidade, esquece. Vai ser considerado doutrinação ideológica e incitação à manifestações políticas se o professor começar a trabalhar com a pauta dos conflitos vividos, por exemplo, em uma comunidade de pescadores artesanais? Ah, se a comunidade começar a se transformar e se organizar, pode ter certeza que certamente haverá algum Pai pronto para sabotar o processo de esclarecimento e aprimoramento da consciência.
Hoje um mano desabafou no facebook que seu pai havia saído já fazia 15 anos pra comprar cigarros. Um dia de dor e amargura, pra ele. Eu lhe disse sobre Darcy Ribeiro, que dizia ser feliz por ter perdido o pai cedo e nunca ter tido filho, pois não lhe pesou uma voz autoritária que quisesse lhe doutrinar, de modo que ele nunca precisou doutrinar ninguém. Quem dizia isso era o próprio Darcy, uma das pessoas que mais contribuiu para a educação do povo brasileiro. Ele, que contribuiu muito com a pesquisa antropológica no Brasil, já dizia que o povo brasileiro é muito mais indígena do que se supõe.
Eduardo Viveiros de Castro, o maior estudioso dos povos indígenas da
atualidade nos diz “O homem livre da ordem escravocrata, para usar
a linguagem da Maria Silva Carvalho Franco, é um índio. O caipira é
um índio, o caboclo é um índio, o camponês do interior do
nordeste é um índio. Índio em que sentido? Ele é um índio
genético, pra começar, apesar disso não ter a menor importância.”.
A ideia central é a de que “no Brasil todo mundo é índio, exceto
quem não é.”. E estamos sendo, de muitos modos, fisicamente e
culturalmente atacados.
A Escola, se implementarem o “Sem Partido”, servirá somente para
produzir uma massa de manobra útil, distante da realidade,
amedrontada e sem capacidade de imaginar e empreender estratégias de
melhorias para seu próprio bem-estar. Este e outros ataques ao
sistema educacional terão um poder devastador em nossa sociedade. E
é isso que vamos colher se protegermos a concepção de Pai Dono da
Razão. Um professor que sabe escutar seus alunos em suas angústias
e conflitos não os oprime, e sim os liberta de concepções de mundo
unilaterais. Não só não há necessidade de um cartaz alardeando
deveres absurdos, como o tal texto do cartaz é uma clara incitação
ao conflito entre pais e professores. Os pais deveriam confiar no
professor, no conhecimento deste profissional. Estarem dispostos a
aprender com a escola, mas não só. Os pais deveriam confiar mais,
sobretudo, na Luz de seus filhos, e aprender com eles. E olha que
isto que estou dizendo – escutar as criancinhas – é o tipo de
ensinamento que está presente até na Bíblia.
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