domingo, 12 de outubro de 2014

O diálogo entre Rael e Caetano, ou O Rap Tropicalista da Laboratório Fantasma

João de Carvalho

 








O terceiro disco da trilogia da Banda Cê,
o "Um Abraçaço" (2012), de Caetano Veloso,
se inicia com a canção "A Bossa Nova é Foda".
Walter durante evento na UEL


[tendo em vista que o diálogo 
que pretendemos revelar se refere à relação hip-hop/tropicália, 
é importante lembrar que este é o disco que contém o "Um Comunista", 
principal contraponto a 
"Mil Faces de Um Homem Leal" 
(obras em memória de Mariguela), 
onde Caetano aprofunda a voz pessimista, que é a tônica deste seu mais recente período.] 

                                    
- discordo de Walter Garcia em dois aspectos... talvez três. 
             Primeiro, em dividir o Caetano em 3 partes (artista, pensador e marqueteiro). 
   A explicação convence por que é engraçada e faz a fala fluir durante um evento acadêmico, 
       mas o homem é muito mais contraditório e complexo, e reduzir Caetano à este esquema
            é ignorar o humano da figura histórica. 
                  Segundo, acho que hip-hop e tropicalismo tem "muito a ver". 
      São movimentos, compostos por pessoas que dialogam, e nisso trocam suas experiências sobre conflitos comuns ao ofício e à vida. 
            Caetano e Racionais são contemporâneos, oras! 
                   E terceiro, que é uma decorrência do segundo aspecto, 
             essa ideia de "linha evolutiva da canção brasileira" é uma ideia do Caetano jovem, 
       profundamente influenciado pela presença dos poetas concretos. Isso é que não tem nada a ver, gente!
    É sempre bom ter em mente que a Poesia Concreta, 
       por maior que seja sua relevância histórica,      (e aqui minha prosa porosa, que não diz o contrário)
    é um movimento de "vanguarda tardia". 
            O que presenciamos hoje é um quadro de produção muito mais rizomático
         e falar sobre a relação entre Tropicália e Hip-hop não é, 
                                                                                              de forma alguma, 
                         colocar uma como consequência da outra.


Sabemos também que a banda Cê propõe uma espécie de "retomada da sonoridade"
do disco "Transa", de 1972.
        Disco este que é tido, por grande parte de uma geração de novos cancionistas/produtores,
como o melhor trabalho de Caetano.
        O disco da Juçara,
e cito justamente esse exemplo pois, além dela participar do DVD do Criolo e do Emicida,
o Encarnado foi objeto de uma resenha anterior,
e tem ecos claros do Transa,           ........          ........    e tb do Tom Zé e do Itamar
                                                          (um pós-tropicalista, como salientou o próprio Walter).

Dentre as conquistas que Caetano realizou em 72,
está o aprofundamento da qualidade dialógica da canção,
um aprofundamento dos conceitos de intertextualidade e interdiscursividade...
veio esse aberto 
por João Gilberto...

e a criação
(junto com sua banda, que contava com
Jards Macalé, Tutti Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Sousa)
-um aspecto de horizontalidade _rizomática_ de produção-

de uma sonoridade mais "orgânica",
menos formatada...

maiores explorações de texturas e timbres,
em detrimento do desenvolvimento harmônico bossa-novista
(aqui talvez a resposta do 
"pq o Itamar conseguiu algum eco posterior, e o Arrigo não"...)

e,
voltando à primeira faixa do Abraçaço:

A Bossa Nova é Foda

O bruxo de Juazeiro numa caverna do louro francês
(quem terá tido essa fazenda de areais?)
Fitas-cassete, uma ergométrica, uns restos de rabada
Lá fora o mundo ainda se torce para encarar a equação
Pura-invenção, dança-da-moda
A bossa nova é foda

O magno instrumento grego antigo diz que quando chegares aqui
Que é um dom que muito homem não tem que é influência do jazz
E tanto faz se o bardo judeu romântico de Minnesota
Porqueiro Eumeu o reconhece de volta a Ítaca
A nossa vida nunca mais será igual
Samba-de-roda, neo-carnaval, rio São Francisco
Rio de Janeiro, Canavial
A bossa nova é foda

O tom de tudo comanda as ondas do mar
Ondas sonoras com que colore no espacial
Homem cruel, destruidor, de brilho intenso, monumental

Deu ao poeta, velho profeta, a chave da casa de munição
O velho transformou o mito das raças tristes
Em Minotauros, Junior Cigano
Em José Aldo, Lyoto Machida
Vítor Belfort, Anderson Silva
E a coisa toda
A bossa nova é foda.



Essa canção apresenta uma análise, pelo viés tropicalista, do que foi a Bossa Nova.
Uma verdadeira aula sobre história da cultura brasileira.
Aqui, como em muitos outros casos, fica claro o papel educacional que a canção possui no Brasil.
De uma forma enviesada,
                                               que é característica da proposta tropicalista,
Caetano relaciona a agressividade e sensibilidade feminina da Bossa Nova e dos lutadores de MMA.

As duas primeiras estrofes fazem referência a imagem de João Gilberto,
a terceira, que corresponde à parte B da canção, é uma homenagem ao maestro do movimento.

Jobim aparece aqui como o
"Homem cruel, destruidor, de brilho intenso, monumental"
responsável por dar ao poeta (Vinícius) a "chave da casa de munição".
UM TROCADILHO GANGSTA!!

O vídeo, por sua vez,
joga de maneira bem curiosa com imagens que sugerem o lado feminino das lutas de MMA...



O Rael,
              mais um dos grandes talentos do hip-hop nacional,
                  foi ao show do Caetano Veloso, acompanhado do Emicida,
 e quando Caetano cantou "A Bossa Nova é Foda"
na hora ele disse aos seus manos,
vou fazer "O Hip-hop é Foda".
E assim fez!
Esse,
           é bom da gente lembrar,
é o processo mais comum de criação de um um Mc,
o diálogo intertextual.
               Normalmente um rimador pira em uma levada,
       uma "batida perfeita" (D2),
uma base sobre a qual seus versos vão fluir (flow) e com a qual vão dialogar.
                                  Sim,
           pois a base sempre sugere uma atmosfera,
   e a letra (as boas, né?)
é meio que "contaminada" por este clima,
que acaba por sugerir uma temática ou uma forma de desenvolvimento...

"Começamos nos guetos das grandes capitais 
Movimento dos pretos e de seus ideais
Somos filhos de Ketu, somos originais
Hip hop é feito com tempero de paz
Dançamos por aí, grafitamos murais
Lá eles têm Jay-Z, aqui tem Racionais
Pode ser Mc, se não for tanto faz
O importante é sentir 
que o hip hop é foda

Mas é um universo imenso em cada verso
E cada vez que verso, com alguém eu converso
Cada canto que toca,seja pro muthafukka
Pra quem é do pipoco ou se é só é pipoca
Seja careta ou louco, seja boy ou maloca
Isso pra mim é pouco o importante é que
o hip hop é foda


Já salvou muito mais que várias ongs banais

Dialogou muito mais que professores e pais
Projetos sociais não seduz marginais
Mas põe um rap pra ouvir a diferença que faz
Eu sei que é foda e que tá na moda
Mas quando é pesado e verdadeiro te incomoda
É foda, é fato, tempo quatro por quatro
Mc, b-boy, grafite e o Dj riscando os pratos
o hip hop é foda"



O Rael faz parte do quadro de "funcionários" da Laboratório Fantasma, a empresa que o Emicida e seu irmão, Evandro Fioti, fundaram em 2008. Dentre os lançamentos da Lab_fantasma, temos os excelentes discos (lançados em LP!) do Emicida e o do Rael, além do já fundamental DVD Criolo e Emicida ao vivo, de que tanto falo. Bem, a ideia de "responder" Caetano Veloso encontrou apoio no grupo, e em pouco tempo a canção (ou parte dela, se é que ela existe completa...) já estava sendo apresentada no prêmio Multishow,  nas vozes de Emicida e Caetano Veloso.




A estrutura da apresentação do Prêmio Multishow contava com um pequeno palco central circundado por uma série de super telões, estes, por sua vez, projetavam imagens dos cantores fundidas ou entrecortadas com motivos que "saltaram" das letras performatizadas. Me chama a atenção o último ciclo, que corresponde às duas canções que estamos debatendo neste post, em que a imagem escolhida para dialogar com as faces dos cantores foi uma fita k7 (por volta dos 4:50 do vídeo). Esta imagem, que salta da letra do Caetano, parece sugerir a presença da Lab_fantasma por trás daquela reunião, ao quase evocar a logo.



Em sua "resposta", o Mc aproveita vários pontos da canção de Caetano. O primeiro, mais explícito, é o refrão, que já é um mote figurativo (nas categorias de compatibilidade do Tatit, o momento em que a melodia cola co'a fala) perfeito para um rap. Em segundo lugar, a primeira sequência de rimas em "ais" parece ecoar o "areais" do baiano. Em terceiro (claro que esta ordem só existe na minha "ex-planation"), o movimento maquínico do violão base é um "arremedo" do violão de Caetano, e parece sugerir um movimento crescente (associado ao desenvolvimento gradual da participação do Dj) de uma "revolução silenciosa", que foi germinando e em pouco tempo já ganhou seu espaço. Outra questão liga os três movimentos: bossa-nova, tropicália e hip-hop são produtos (danças) da moda! Mas, ao contrário de Caetano, ao invés de simplesmente citar este dado, Rael completa "mas quando é pesado e verdadeiro te incomoda"!

A canção de Rael tem dois "clipes" gravados. O primeiro, lançado pela Laboratório Fantasma, aparece o Rael, o DJ Will (filho do grande DJ KL Jay) e o Bruno Dupré. Este é o "vídeo oficial", uma pequena produção destinada à divulgação da canção que não integra nenhum disco e foi lançada de forma autônoma. O formato é quase uma citação ao banquinho e violão da bossa nova (é muito incomum ver um MC sentado, cantando e se acompanhando ao violão). O segundo, produzido por Rodrigo Beetz, é uma recriação livre, que conta um pouco da história de mais uma vida que se engaja no hip-hop, mas aqui através da dança. Acho muito interessante essa liberdade, e vontade, de dialogar com a obra de um artista, um movimento que transpõe a barreira entre produtores culturais e público.




Outro vídeo que podemos conferir como esta canção se metamorfoseia e vai agregando múltiplos interlocutores, é o de uma câmera do meio da platéia do show Cada canto um rap, cada rap um canto", que ocorreu no dia 19/06 deste ano, no SESC Campo Limpo. Neste registro vemos a obra se estender por 14:30, sendo um convite pra vários Mc's improvisarem sobre a força do hip-hop. Dentre os vários improvisos, que temos que fazer uma grande força para compreender pois o áudio está comprometido, existem alguns momentos que são realmente emocionantes. Um destes momentos é a participação de Marechal, por volta dos 7:00... vale a pena conferir:




Mas esse papo não é de agora, não!
Vem se intensificando cada vez mais, 
adquirindo novos contornos 
e projetando novas consequências...
mas esse papo já está presente desde o início da Lab_fantasma.

Em 2009 Emicida lançou sua primeira mixtape.
A vigésima primeira faixa deste trabalho é a primeira parceria entre Rael e Emicida.
Me refiro justamente à "Outras Palavras", 
composição feita a partir de recortes da canção homônima de Caetano. 



Aqui também existe um aproveitamento muito mais profundo do texto original 
do que simplesmente uma base qualquer.
Na canção original Caetano argumenta que busca, por meio de seu manuseio das palavras,
admitindo sua existência enquanto linguagem, uma busca por outras palavras, mais positivas...
tudo isso dentro de um texto que, por mais peripécias linguísticas que possua,
incluindo um final apoteótico com ecos de Catatau, 
se trata de uma canção de amor,
de dor de amor...

Emicida e Rael desenvolvem diferente,
buscando focar a positividade de uma relação que agora goza dos frutos de um trabalho focado e responsável. Essa que é, desde o início, a perspectiva de Emicida, se vincula à referências muitas vezes negligenciadas do hip-hop. Vozes como Kamau e Speed são referências reveladas de precursores de uma "certa" corrente que busca transpor os conflitos explorados pela geração dos anos 90, transpondo barreiras que parecem (só de longe) marcar e isolar a sonoridade do rap...

E, voltando às canções que estamos tratando,
a "parceira" Caetano Veloso / Emicida teve um desdobramento muito interessante durante o evento
"Cidadania nas Ruas", produzido pela Lab_fantasma, realizado no Auditório Ibirapuera, para 30 mil pessoas.
O pequeno Doc realizado dá bem uma ideia da reunião que foi este evento.
(e tem o Emicida cantando Haiti, o que isso significa? pouca coisa não é!)


 Compensa assistir aos 3 vídeos deste Doc., pois ali temos os personagens de todo este meu texto dialogando e frisando as mutuas referências. Mas gostaria de apontar um outro vídeo, também produção da Lab_fantasma, intitulado "Insomnia". Este, uma parceria entre Rodrigo Ogi e Emicida, causou polêmica por causa dos versos "tem 2 tipo de MC, 2, digo, os que faliu e os que aprendeu algo comigo". Mas, para além das ambiguidades que a letra sustenta - é claro que dizer que o Emicida está falando exclusivamente dele mesmo é um grande erro de interpretação, mas ignorar que ele está comentando também sobre sua situação no quadro cultural do hip-hop nacional é outra grande armadilha - me chama muito a atenção os versos "gueto até umas hora, no trono/ quem não liga Itamar Assumpção quer ver os milagre do Emicida como?".




Qual Itamar? 
O que elaborou toda uma sonoridade?
O Itamar que era foda de flow? Pq a palavra mastiga na boca do Nêgo Dito!
O Itamar bandido? O que subverte o sistema?
Ou o que faliu?
Seja qual for
como ícone ou precursor
Emicida afirma que Itamar Assumpção é uma chave de leitura para seu trabalho.

Itamar   
um pós-tropicalista
que por força de seu tempo
morreu sem o devido reconhecimento
de público e de cachê que justamente merecia.

O valor de Emicida está - entre outras coisas - em ter conseguido imprimir uma marca
ter virado um próspero empresário,
em uma firma familiar,
empregando uma galera criativa em torno de ideais de mundo.
É como se Emicida olhasse para o Itamar e disse-se:
vingado, é nóiz!

E, se a "revolução" é de alguma forma como Mano Brown anunciou recentemente,
em entrevista à revista Cult:



"Qual é o maior compromisso da "revolução", entre aspas? É mostrar envolvimento, você pôr sua inteligência dentro dela, sua mão de obra, o conhecimento que você aprendeu naquela causa. Como é que você consegue mostrar isso? Quando sua empresa vai bem, quando você paga as pessoas. Aí é trabalho! Não é movimento, onde um faz e fica um monte de gente sem condições de fazer nada. Tem que dar condições das pessoas fazerem para ganharem seu dinheiro. Esse é o momento que a gente tá vivendo hoje. Essa é a maior evolução. Já não é a revolução do discurso, das coisas abstratas, morou? É do trabalho. Se fosse no campo, seria enxada e terra. É na cidade. É trabalho. É envolvimento. É vida, sabe? E é ideologia também."





O hip-hop é foda!
E pelo fato desse lance ser horizontal,
sem um herói que redime todo mundo

(Na canção nova do Criolo, Vai Ser Assim: 
"eles querem forjar heróis, pra manter o povo sem voz")

temos os caras do Racionais em uma situação de aprendiz.
A Boogie Naipe tá aí, pra não me deixar mentir...

Será que o gesto de Mano Brown
em afrontar uma espécie de cerco ideológico de dentro do hip-hop,
e encarar lançar um disco de canções de amor
não encontra com a postura dos tropicalista
em afrontar a coerção da canção engajada dos anos 60?
Será?

O "projeto tropicalista" foi contestado nos anos 1990,
justamente pelo rap dos Racionais Mc's,
agora
alguns dos principais produtores do hip-hop nacional
encontram-se em franco diálogo com a obra de Caetano.



Essa semana, inclusive, estréia o filme "Na Quebrada"...
no elenco os filhos de Mano Brown , Jorge e Domênica Dias...
e produção de Luciano Huck...
Ah, é!?
                   É.
E aí, se o filme for bom?
Se o filme "fizer bem"?
Eim?
Só digo uma coisa,
o disco do Edi Rock é muuuiiito bom!!!!
Ir ao Caldeirão ou não
                                      não muda o fato de que

O hip-hop é foda!

11 comentários:

  1. Ola João. Muito bom seu artigo! Gostei muito da visão que está propondo, e me surgiram algumas coisas que gostaria de dividir contigo:
    1. A aproximação do rap com a tropicalia se dá mais (ou exclusivamente) pela figura do Caetano. Não vejo esta mesma aproximação com o tom zé ou o gil, por exemplo. Por que você acha que isso acontece? Será que foi o Caetano que se aproximou do Rap e não o contrario?

    2. Gostei do que disse sobre o Itamar, mas acho que a apropriação da figura dele pelo RAP, surge a partir do personagem "Nego dito, o Black Navalha" e não a partir da estética pós-tropicalista, sendo que o Itamar não dialogo com o rap, mesmo este tendo "nascido" (aqui no Brasil) na mesma época que a Lira Paulistana.

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    1. Ôpa Lucas. Fico muito feliz que vc tenha gostado do texto!
      Então, a aproximação é mais pelo Caetano sim, mas não só!
      Lembra da participação do Emicida no Tribunal do Facebook,
      tem uma rima que ele coloca até o dolinho no meio... muito bom!
      Todo aquele lance com o Tom Zé pra mim é muito representativo,
      pois mostra um conflito de produção/capitalização em diálogo com público
      pouco tempo depois teve a inquisição sobre o Trepadeira, e todo o bafafá por causa da figura do Emicida e da Copa... lembra?
      E o Tom Zé está nesse Cidadania nas Ruas tb...
      O movimento da Lira Paulista é um pouco mais velho, e as barreiras impostas palas diferenças de classe social realmente eram bem mais altas... o diálogo é posterior mesmo... a apropriação da figura do Itamar não me parece tanto pelo personagem marginal que ele criou (não que isso não conte), e sim pelo exemplo mesmo de um negro (essa pauta é cara ao Emicida), inventivo pra caralho, que revolucionou uma maneira de se fazer canção no Brasil... e justamente esse figura, pós-tropicalista, deu com os burros nágua naquilo que o Emicida conseguiu destravar... claro que isso se deve às características da produção de hoje, coisa que o Itamar não chegou a ver.
      Abraço, meu caro!

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    2. Então, esse lance com o Tom zé me parece mais uma tentativa dele de se aproximar, do que o contrario, posso estar enganado. Quanto ao caetano, acho que ele se tornou uma figura "para além do tropicalismo", sendo mais fácil ser influenciado pela sua estética. Os tropicalistas mais "fieis" a proposta, como o tom zé por exemplo, não parecem ter muita influencia na composição popular. Concordo que há varios paralelos entre as esteticas tropicalistas e as esteticas do rap, mas não sei até que ponto isso não é coincidencia, ou fruto da propria estruturação da cultura brasileira (mestiça, astropofagica, etc.).
      Quanto ao Itamar, acho que ele poderia ter sido a ponte para o Rap, assim como foi para o reggae, sendo que os dois estilos tem origem nos mesmos nichos culturais (bairros jamaicanos dos EUA e Jamaica, anos 1960/70), mesmo assim, ele se mostra mais proximo do "canto falado" de schoenberg, até mesmo pela sua amizade com o Arrigo e sua formação no teatro, do que do "canto falado" de Gil Scott Heron, por exemplo. O Emicida (e alguns outros) estão bem comprometidos com a pauta do empoderamento, mas não sinto uma apropriação da estetica do Itamar, acho que o "Nego dito" conta mais como personagem mesmo. O proprio Itamar fez uma apropriação, no caso, da obra de Ataufo Alves. E tambem porque ele era um "negro inventivo", mas mais ainda por considerá-lo um dos maiores compositores da musica brasileira, digno de ser imitado e homenageado por um Itamar, que tambem é um dos maiores compositores da musica brasileira. Percebe que o emicida "vinga" o itamar enquanto "negro inventivo que não teve reconhecimento", mais do que como compositor que merece ser escutado. Não quero desmerecer o Emicida, nem acho que o que ele faz esta errado (quem sou eu pra dizer isso).
      Bom, é isso, meu amigo. Uma resposta cheia de aspas, espero que te faça ir além. Grande Abraço.

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    3. Certo, acho que talvez exista alguma coisa diferente que estamos entendendo por tropicalismo. Isso é muito natural, pois essa palavra é um rótulo complicado, e se escutarmos o Tom Zé e o Caetano falando percebemos que mesmo pra eles essa palavra não se refere à uma única coisa. Não vejo, por ex., o Tom Zé como um tropicalista mais "fiel". Mas sim, em termos de experimentação sonora, as conquistas do Tom Zé e o Itamar (parecidas até certo ponto, quanto ao resultado final) não foram "incorporadas" pelo rap (ainda), e esse diálogo, quando acontece, ainda é de uma maneira meio superficial, sem muita mutua infecção (como são os casos do Haikaiss sampleando o Itamar e do Emicida no disco do Tom Zé). Porém veja, qual é a "conquista sonora", em termos de "linguagem cancional", que o Caetano alcança? O Transa? Acho que a postura crítica e criativa do Caetano, e isso vc tb tem razão, extrapola qualquer programa de movimento. Porém, como ele canta logo na abertura do prêmio Multishow, "eu organizo o movimento, eu oriento o carnaval"... isso é de uma arrogância do car#$#%, mas é inclusive muito próximo da postura do Emicida. Tratei por tropicalismo, por extensão, todo esse pacote que o Caetano traz consigo. E busquei apontar a influência desse pacote dentro da Lab_fantasma, que é UMA perspectiva dentro do hip-hop nacional. O Criolo, com outro time de parcerias/influências, absorve isso de outra maneira... (mas na foto que eu postei por último no texto, vemos o Cabral - lembrando, do Passo Torto e produtor do Fantástico Universo Popular do Sombra!!!! -, o Ganja - vou só lembrar que ele produziu o Sabotage -, a Paula Lavigne - ex do Caetano, produtora do DVD Criolo e Emicida - Mano Brown e Criolo) ... mas também absorve. Se metamorfoseia, d'as vêis chega nem ser rap, mas ainda é hip-hop.
      Não conheço o Gil Scott Heron, então não entendi esse ponto. Não acho que seja coincidência, acho que isso é diálogo, e isso que vc coloca como "próprio da estruturação da cultura brasileira" já é um recorte tropicalista sobre o tema (antropofagia!!!). E fiquei curioso sobre essa "ponte" que o Itamar fez com o reggae. Desconheço isso. Vc bem que poderia desenvolver isso em um texto. Se quiser fazer eu posto aqui no blog pra gente debater essas ideias! Abraçaço.

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    4. Mas escrevi isso e fui ver o som do Haikaiss de novo, e não acho mais que essa apropriação foi "superficial"...
      : https://www.youtube.com/watch?v=ZWAeD_UMbjw

      E depois fui ver mais o lance do Emicida com o Tom Zé e percebi que ainda não escutei com a devida imersão o Tropicália Lixológico! Aí qualquer coisa que eu diga é mentira... rsss...
      Como será que o Emicida "saiu" depois dessa experiência?
      Como vc sairia? Como eu sairia?
      Gravar com o Tom Zé, mano, entrar nessa teia de relações complexas desse maluco deve ser algo forte, né não?
      Acho que superficial foi minha escuta disso aí... hehehe

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    5. https://www.youtube.com/watch?v=I8Hr_CXlX74

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    6. Alo Joãozito, esse papo poderia ser transferido para um lugar fisico, o que acha? Você ja sabe que eu não sei teclar... hehehe
      Só pra esclarecer: Acho o tom zé mais fiel ao seu proprio tropicalismo, e não a um conceito de trocalismo. É mais do que eu ouço do tom zé e percebo como constante em sua carreira. Ja no caso do caetano, acho ele mais fiel a um posicionamento (socio-cultural) do que a uma estetica musical, por isso ele ser mais abrangente talvez (em termos de influencia).
      Vou tentar escrever algo sobre o Itamar depois e te mando (se conseguir, hehehe), mas em linhas gerais, me parece que ele é muito mais conhecido por seu reggae, do que por seu flow, e talvez o rap não o tenha incorporado (esteticamente) por que ele tambem não incorporou o rap tanto assim.
      Enfim, especulações e mais especulações.
      Aí o gil scott heron: http://www.youtube.com/watch?v=qGaoXAwl9kw, um blueseiro tardio que de repente inventa de fazer esse som. è um dos pais do rap americano. Espero que curta.

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  3. A necessidade de estabelecer um diálogo entre os movimentos citados, assim como entre outras manifestações da experiência humana, estejam postadas ou não (no sentido da contextualização), é, ao meu ver, antes de mais nada, uma necessidade de quem produz tal discurso e com ele estabelece uma relação. Acho que a aproximação que o texto expõe é fantástica, tomando cuidados formais de análise (da construção cronológica dos movimentos e apontando mais para um sentido rizomático em detrimento da simples consequência) e citando o Transa (que também é o meu favorito, embora eu não seja cancioneiro ou produtor) em seus pormenores (organicidade e intertextualidade e textura e timbre - é como eu gostaria de ter definido esse álbum). Um amontoado de inter-relações (sem me esquecer do concretismo). Caetano sempre me pareceu um mago com as palavras que arquitetonicamente constrói mundos e fundos em suas canções. Isso o aproxima do rap, na construção desses jogos? É isso que encanta os caras do rap? De onde brotou essa pira com Caetano? Acho bastante curioso analisar essa figura do Caetano atual. Um tanto subestimado por uma parte do público pelas coisas que ouvimos por aí (está velho, relações comerciais, fez trabalhos mais ou menos). E de repente me pego a ler uma reflexão que sugere um Caetano em pleno e ativo diálogo com uma cena super contemporânea (embora não tão jovem) que em diversos momentos, como citado através dos vídeos e trabalhos dos rapers, se manifesta com alguma "influência", ou no mínimo como uma pira presente entre eles. Fico pensando, como indagou de certa forma o Lucas acima, nas possibilidades, nos mecanismos, em tudo que aleatoriamente e ou sistematicamente permitiu que tudo assim ocorresse. Genial!!!

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    1. Que legal seu comentário, Valdir! Acho que vc colocou algo super importante que acabei passando por cima... a palavra! Tá aí, inclusive, um motivo sintomático pro Emicida e pro Rael terem se apropriado justamente da canção "Outras Palavras", que é uma joia da língua! Isso é muuito o Emicida, mas não só ele, é claro! O rap como um todo (pensa no maluco do Sabota!) tem uma profunda ligação com a experimentação com a palavra. Fico feliz em saber que vc está acompanhando os textos aqui, meu caro! Um grande abraço! Inté!

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  4. João, tenho acompanhado e me interessado. Porém, bem sabes que não sou músico e que não tenho conhecimento técnico para tanto, como vcs. Meus pitacos tem essa cara aí: ora subjetivos (pessoais/psicológicos) e ora analíticos (histórico-sociologicamente falando, este sim meu mundo de formação). Acho mesmo que o que de fato importa é como me toca isso desde a meninice. Sendo assim, enquanto vc me permitir, vou interagindo sim. Grande abraço.

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