segunda-feira, 18 de maio de 2015

Atenção, Ávidos Ouvidos: Novo Curso!

"a canção e seus sentidos é o nome do curso
em que praticamos o rito de uma escuta intensa sobre
um repertório simbólico cotidiano"


Depois de um ano sem a realização do curso que gerou este blog, voltamos a ofertar vagas e, agora, com um programa reformulado, ampliado, e com nova locação (estamos dando aula em um espaço mais adequado, ainda na Vila Brasil, centro de Londrina).  Mas calma, eu vou explicar o que é esse tal curso e como ele funciona, e consequentemente dar uma chave de leitura para as palavras, sons e imagens que residem neste espaço virtual. Você me conhece? Talvez sim. E se sim, muito provavelmente deve ter me visto meio louco tagarelando sobre canção ou hip-hop por aí. Será que eu tava falando de Racionais de novo? Putz, foi mal. Mas, se você tem a intenção de se aproximar, como alunx ou leitor(a), acho que é bom já ficar avisado.

Se você não me conhece; muito prazer! Sou o João de Carvalho. Tanto o tal curso como o blog são vozes da minha cabeça. E à propósito, você já assistiu minha entrevista no Conversa de Varanda, da Gisele Almeida? Não? Então dá uma olhada lá antes de seguir lendo, isso talvez te incentive a fazer o curso, ou continuar na leitura, ou sirva ainda pra te alertar que o que você procura não está aqui. Mas antes de partir, veja o vídeo:


Legal, né?! Mas ó, este vídeo não é um retrato atual, depois disso que foi registrado eu aprendi muita coisa. Verdade. De lá pra cá, devorei muitas almas mais. Me aproximei da yoga, do hip-hop e aprendi a correr. Digo isso pois isso estará presente na aula, em forma de conteúdos e perspectivas metodológicas, temas e atividades. O vídeo me registra em um momento que estou "preparando o salto", pra usar as palavras do mestre Siba. Eis que saltei, e meus saltos permeiam a sequencia dos posts desse blog (se você é leitor/amigo, tô chovendo no molhado). Compreende que pra entender o que é o curso, ou este blog, você precisa conhecer, ao menos um pouco, meus caminhos? Percorri diversas sendas, sempre acompanhado de meu violão e minhas canções. E pronto, já não estou mais falando de mim, e sim dessa Gaia Ciência, desse "saber alegre" que me persegue. Sou só mais um porta voz desse artesanato ancestral.

E então, você já se perguntou sobre o que é canção?
Já parou pra pensar em como as canções que você escuta dizem muito sobre você, pois te traduzem e te programam? Canção, à grosso modo, é música com voz. A música, que é a arte dos sons, é capaz de coisas que só a combinação e interação de sons pode produzir. São afetos de impossível definição. Já a arte da canção se utiliza dos poderes da palavra. E palavras apontam para o mundo. Assim, canções são memórias do mundo. Espelhos e balizas. Palavras são sons, presença, e imagem, ausência. Canção é tanto uma forma de música como uma forma de poesia. O repertório de canções que trazemos em nossa memória (mesmo que não saibamos as "letras" completas) formam parte considerável do estofo simbólico que nutre nossa psique. Nossa apreensão do mundo e, consequentemente, nossas respostas ao mundo costumam seguir de maneira muito próxima o enredo de cantos que interiorizamos. Pensando nisso, não seria interessante você compreender como funciona esta arte tão presente e perigosa? 

"os conteúdos foram sistematicamente separados
mas a dinâmica da aula flui como um rio
que ao correr da correnteza bebe a água de outros rios e esmigalha
a corrente e a certeza"

Eu já conduzi o curso 3 vezes em grupo (e já tive alguns alunos individuais que também passaram por este processo), com turmas heterogêneas e muitas vezes sem formação musical complementar. Posso dizer que foram experiências transformadoras. O curso começou programado para ser realizado em 4 meses. Mas foram entrando tantos conteúdos novos que agora me vejo com uma organização de 3 módulos de 4 meses cada. São 16 encontros de duas horas por módulo. Total de 96 horas de aula!

Não é objetivo geral deste curso formar cancionistas compositores. Esta é uma dúvida frequente. O objetivo deste curso é despertar nossa escuta crítica sobre a arte da canção. No fundo, é um curso de percepção. Mas é claro que para nos aprimorarmos na arte de composição de canções devemos aprimorar nossa percepção neste repertório. Isso é óbvio quando pensamos em música instrumental, onde, para adquirirmos a linguagem de determinado estilo precisamos, antes de tudo, aprender a perceber os elementos que estão em jogo. É assim com canção também, às vezes a brincadeira é a melodia, às vezes é o flow, tem caso que é a harmonia, noutros a atitude, em alguns o jogo está no que o ritmo faz com nosso corpo... resumindo, não é um curso de composição mas é um curso também indicado para compositores. É válido dizer também que atividades de composição, por vezes, aparecem como método para desenvolvermos nossa percepção, mas nunca com o objetivo na própria composição.

Manoel Bandeira, fazendo um som
Seria recomendável que x alunx tivesse uma prática musical ativa (tocar algum instrumento ou cantar), mas isso não é fundamental para fazer o curso. Da mesma maneira, é recomendável uma vida com prática poética (leitura e/ou composição de poemas), mas também não é condição essencial. Compreender razoavelmente bem história e geografia, do Brasil e do mundo (conseguir se perceber dentro de um processo histórico e social), ajuda muito a fluência do curso, mas também não é condição. Qual seria a condição para participar destes ritos de escuta crítica? Teria alguma, afinal? Talvez sim, penso que se você estiver mesmo interessado em fazer o curso - ou acompanhar minhas escutas no blog - você precisa de duas coisas: ousadia, para se lançar em escutas de coisas desconhecidas, e avidez por compreender o que entra pelos seus ouvidos. De resto, este 1 ano de curso trará o pensamento de figuras como Ezra Pound, Zé Wisnick, Luiz Tatit, Bakhtin, Paul Zumthor, Jung, Edgard Morin entre outros, que darão suporte para compreendermos alguns dos mistérios dessa arquetípica arte.

Sobre a dinâmica da aula? É fundamentalmente um curso de escuta de obras. Escutamos uma canção diversas vezes e debatemos sobre nossas percepções, já orientadas por leituras sugeridas, mas contando também com as vivências pessoais de cada um (isso quer dizer, também, que cada turma será uma história completamente diferente!). Mas para ativarmos nossa percepção sobre aspectos específicos do artesanato cancional, nada melhor do que nos exercitarmos dentro de atividades de criação. Não é na expectativa de realizar uma "obra de arte", mas sim de experimentar praticamente como funciona elaborar um material expressivo como a canção.

Mas, e aí? Ficou com vontade de fazer o curso?
Tá, falta falar da logística de hora, lugar e valores, né?!
Dessa vez eu não abrirei alguns horários definidos, onde os interessados se "candidatam". Farei diferente. O material do curso está separado e já estou à disposição para receber novas turmas que se formem autonomamente, com horário a ser negociado via telefone ou e-mail. O curso poderá funcionar com um único aluno ou em grupos de até 8 pessoas. Alunos que já cursaram o "A Canção e Seus Sentidos" podem se inscrever nos módulos 2 e 3 (o primeiro módulo também pode ser feito, mas seria uma retomada dos conteúdos do curso original, provavelmente com outros exemplos e certamente com outros debates).

"e eis que estou aqui
pra devorar e ser devorado
para somar e ser dividido
para cantar e ser decantado
pela escuta de vocês"

ps.: tô no tel.:3323-9933 / e respondo o e-mail: jocarv1984@yahoo.com.br 


terça-feira, 5 de maio de 2015

Pé de Guerra no Paraná: pra parar de cantar Vandré

João de Carvalho



O mote principal que uniu os professores em Curitiba foi o roubo da previdência efetuado por Beto Richa. Este, utilizando-se da violência de seus capitães do mato, empurrou goela abaixo o tal pacote da maldade. Os professores, e demais servidores do estado, perderam uma importante batalha. Os estudantes, já atuais ou futuros professores, também perderam. O que resta agora? Voltar às aulas? Fazer uma greve de 3 dias e depois voltar para os confortos que ainda nos restam? Batalhar pela pauta que ainda permanece em aberto, flexibilizando um pouco mais, talvez, pois já sentimos que seremos os mais prejudicados, com o ônus das reposições e dos descontos... afinal, né?

Bem, amigos, estamos em uma encruzilhada. 
E não estamos tão unidos como gostaríamos de estar.
Muitos entraram neste movimento por um motivo justo, porém ainda muito pequeno. Se formos pensar que o que está em questão é apenas o bote do crocodilo na previdência, estamos quase no fim do estado de greve, saímos machucados, mas vivos. ... demos aula de cidadania! ui...

Por mais que os abusos tenham nos chocado, o que aconteceu já estava previsto para acontecer. Não precisa ler Tarot, e é claro que é mais fácil de dizer agora, mas sim, dava pra prever. Mesmo que não tivéssemos acesso às recomendações que o Ministério Público fez ao governador Beto Richa, onde se antevia uma tragédia, poderíamos sim perceber o que estava para acontecer. Em essência, a violência que sangrou os professores, servidores e alunos em Curitiba foi a mesma que tirou a vida do garoto Eduardo, de 10 anos, morto na porta de sua casa (empunhando um caderno) no Complexo do Alemão. 

Creio que quem escutou com atenção a décima faixa do novo disco dos Racionais MC's, o Cores e Valores, não se surpreendeu (revolta sim, surpresa não) com o circo armado pelo tirano do Paraná. A canção se chama "A Praça", e narra a tragédia ocorrida em 2006 em um show dos Racionais MC's, na Praça da Sé, em São Paulo. Escutem! Como a canção é curta, recomendo dar o play duas vezes, com som apropriado, uma escuta de olhos fechados e outra acompanhando a letra, que posto em seguida...




A Praça

"Madrugada de domingo em São Paulo... "
"O show da virada cultural terminou em meio a uma gigantesca confusão
Foi a apresentação do grupo de rap Racionais Mc's"
"Racionais... "
"Racionais Mc's... "
"Foi na praça a Sé, uma verdadeira praça de guerra... "
"Bombas de efeito moral e balas de borracha... "
"Desesperadas as pessoas tentavam fugir do confronto"
"Vem pra cá... Vem pra cá"
"quer dizer, a polícia não poderia ter evitado? "
"até que ponto o uso de bala de borracha e gás lacrimogênio não acaba aumentando a confusão? "
"Tem que pensar com inteligência. O cara tem que ter inteligência, certo?
Essa correria ai de um lado pro outro só vai machucas as pessoas"

Uma faísca, uma fagulha, uma alma insegura
Uma arma na cintura, o sangue na moldura
Uma farda, uma armadura, um disfarce, uma ditadura
Um gás lacrimogênio e algema não é a cura, é luxuria.
Uma censura, tentaram e desistiram
Pularam atrás da porta, filmaram e assistiram
Pediram o nosso fim, forjaram uma lei pra mim
Tiraram o nosso foco dos bloco e o estopim
Tentaram eliminar, pensaram em manipular

Tentaram, não bloquearam a força da África
Chamaram a Força Tática, Choque a Cavalaria
Polícia despreparada, violência em demasia!
Mississípi em chamas, sou fogo na Babilônia
Tragédia, vida real com a mão de um animal
Brutal com os inocentes, crianças, velhos, presentes
Ação inconsequente, covarde e desleal
Os moleque com pedra e pau
Polícia com fuzil, bomba, carro pegando fogo

Porta de aço, tomba, a mãe que chama o filho
Enquanto toma um tiro, alguém perdeu alguém
A alma no gatilho, fugir para o metrô
Tumulto no corredor, pisotearam alguém
Que ali mesmo ficou nas ruas adjacentes
A cena era presente, destruição e guerra
O mundo que desabou, ho!

"05h30 da manhã e a polícia ainda encontrava dificuldade pra controlar a multidão"
"Não há mais nada o que fazer na Praça da Sé"
"A praça a Sé parece nesse momento uma praça de guerra. Muito vidro quebrado pelo chão e lixo espalhado por todo lado"
"11 pessoas foram presas e quatro ficaram feridas"
"A prefeitura vai assumir todas as suas responsabilidades... E dará todo apoio necessário às pessoas que, eventualmente, tiveram algum dano relacionado ao incidente"
"Os Racionais... "

Exemplos como este que a canção retrata nos dão uma medida de como funciona a fera que o estado alimenta pra lhe proteger. Mas claro, isso foi em 2006, ainda não havia ocorrido as passeatas de 2013, não havia ocorrido nem a copa nem as eleições. O clima agora está cada vez mais quente, e isso quer dizer também que os cães do estado estão com fome. Temos que estar atentos e não sermos presa fácil. Felizmente ninguém morreu no massacre, apesar de quase 200 feridos (5 traumatismos cranianos) e do pacote aprovado sob a regência de Ademar Traiano do lado de dentro da Alep. Isso, infelizmente, costuma acontecer também. Vocês se lembram do cinegrafista Santiago, não é mesmo? 

Esse movimento começou por causa do pacote de maldades do tirano Beto Richa (que foi eleito para seu segundo mandato num primeiro turno, com esmagadora maioria de aprovação do povo paranaense) tal como as mobilizações de 2013 começaram por 0,20 centavos, mas deve se expandir pelo país como um grito anti autoritário, que pede reformas urgentes e radicais. Em outras palavras, é claro que se não lutarmos contra o atual sistema que regula a mídia no Brasil e não encararmos de frente o debate sobre a desmilitarização da polícia, com certeza nos esperam mais derrotas, e ainda mais sangue pode escorrer na calçada.

Nesse momento, tão importante quanto lembrarmos dos itens da pauta que a APP ainda negocia com o governo, é saber que a polícia, neste exato momento, cerca a Câmara dos Vereadores de Recife para atender aos interesses de grandes construtoras, em mais um confronto anunciado... tomara que não, mas a atenção deve ser a mesma, a comoção deve ser a mesma. Caso contrário, se os professores servidores e estudantes não começarem a se engajar em níveis mais profundos, se preparando realmente para estes momentos de enfrentamento e conquista das ruas e das redes, é sinal de que estamos em uma luta perdida.

À propósito, acho que seria importante também escutarmos um pouco o que MV Bill pensa sobre isso. Essa nem preciso colocar a letra, dá pra entender direitinho:


No fundo, acho que o que eu queria dizer é isso: se nós, professores, continuarmos a cantar em nossas manifestações as canções "Pra não Dizer que Não Falei das Flores" ou "Apesar de Você" (em andamentos mais lentos que as gravações originais, diga-se de passagem), ficaremos sempre presos no passado, nostálgicos, sem conseguir compreender o mundo que nos cerca. Ao contrário, se atualizarmos mais nosso repertório, escutando um pouco mais do que o RAP tem a nos dizer, podemos estar mais preparados para as lutas que nos esperam.